Yanis Varoufakis, Haddad e o socialismo no século XXI (parte 2)

Por Marcos Jakoby (*)

Na primeira parte deste texto , teci alguns comentários a respeito da exposição realizada por Yanis Varoufakis na primeira das 13 jornadas de debate sobre o socialismo no século 21, organizado pela Fundação Perseu Abramo, a Escola do PT e a Secretaria de Formação Política. Nesta segundo parte, escrevo algumas notas sobre as ideias expostas por Fernando Haddad. A referida jornada aconteceu no dia 18 de março e pode ser assistida aqui https://www.youtube.com/watch?v=38mFyj-jgjE&t=5495s.

Haddad inicia sua fala perguntando-se quem seriam concretamente os agentes das medidas programáticas propostas por Varoufakis, como aquelas que colocam em questão “dois mercados, os do dinheiro e do trabalho”. Curiosamente, em seguida, ele lamenta que a discussão na sociedade, de um modo geral, esteja sempre associada ao Estado. É o plano sempre mais visível do debate sobre socialismo, diz ele.

Arrisco aqui duas hipóteses: primeiro porque para os defensores do capitalismo a realidade no plano econômico e social é cada vez mais difícil de ser justificada, pois é marcada pela brutal desigualdade social e por diversas formas de exploração econômica. Agravada no atual momento pelo desemprego estrutural e pelas diversas formas de precarização do trabalho. Por outro lado, não há transformação socialista possível sem que a classe trabalhadora e seus aliados sejam poder de Estado, por isso os ataques e combates sistemáticos aos socialistas no que concerne ao tema do poder político. É fundamental afastar as classes trabalhadoras da atividade política porque é justamente ela que pode gerar transformações. Então, antes que se debata os problemas econômicos e sociais, a ideologia dominante busca interditar esses debates.

Bem, feita essa pequena digressão, sigamos com a exposição de Haddad. Assim como Varoufakis, Haddad faz uma rápida caracterização do capitalismo nas últimas décadas. Cita a ruptura com o arranjo do estado de bem-estar social ocorrida no início da década de 1970, com a implantação em diversos países do neoliberalismo e, sobretudo, da desregulamentação do mercado de trabalho e do mercado financeiro.

Então, Haddad coloca a questão de forma semelhante ao que havia feito Varoufakis, a meu ver: “o problema é que mesmo que você consiga um fundo público maior, você não vai conseguir resolver o problema da desigualdade social. A ideia de resgatar um status quo de antes de 1971 é muito remota, você não tem os mecanismos econômicos para que isso aconteça.”

Haddad continua o seu raciocínio: “o que os progressistas percebem com certa facilidade é que se não houver uma iniciativa de distribuir riqueza, o fundo público redistributivo [do tipo socialdemocrata do pós-guerra] não é suficiente para aplacar o ritmo do aumento da desigualdade […] e conseguir romper essas barreiras de aumento descomunal da desigualdade.”

A conclusão que eu extraio desse tipo de raciocínio é de que são necessárias medidas programáticas que redistribuem não somente a renda, mas também a riqueza acumulada e a propriedade. A essa altura da exposição, portanto, estava muito curioso em saber quais seriam essas medidas que, no entendimento de Haddad, seriam apropriadas para o diagnóstico apontado.

Então Haddad as cita. A primeira delas seria a “mudar a natureza da tributação”, e que isso não diz respeito somente o tamanho do fundo público, mas como ele é constituído. Segundo ele, a discussão de como ele é constituído é de caráter socialista. E arremata, passar da tributação da renda e do consumo para a riqueza é fundamental. A segunda medida é a tributação de heranças e a taxação de monopólios e oligopólios, e menciona como exemplo as grandes empresas de tecnologia. Medidas como estas, diz Haddad, deveriam estar na nossa agenda.

Esse foi o núcleo da sua formulação. Confesso que quando ele fazia a defesa de “uma iniciativa de distribuir riqueza” esperava mais do que tributações e taxações dos mais ricos. Isso não é ir além da política “socialdemocrata do pós-guerra”. Na verdade, esse foi um dos elementos centrais que ajudou a financiar o estado de bem-estar social, mas em países e num contexto muito distinto. São medidas importantes, mas absolutamente insuficientes para nossa realidade de um país periférico do capitalismo, dependente e frente à dimensão dos problemas econômicos e sociais existentes. Agrega-se a isso, a crise econômica mundial.

Para um desenvolvimento popular, democrático e articulado com a construção de um socialismo, capaz de enfrentar as abissais desigualdades sociais, não basta taxar os ricos ou os monopólios e oligopólios. É preciso também quebrá-los.

A começar pelo sistema financeiro, que precisa ser estatizado e colocado a serviço do financiamento do desenvolvimento nacional, sobretudo em investimentos que atendam a necessidade por bens e serviços, como habitação, saneamento, energia, transporte, urbanização, saúde, educação etc.

Para pensarmos o Brasil em termos de desenvolvimento, há a necessidade de reestatizarmos empresas importantes, como a Petrobrás, que hoje é mais privada do que pública, a Vale, empresas estratégicas do setor de energia, etc., e criarmos outras empresas públicas e estatais capazes de serem instrumentos de alavancagem do desenvolvimento e de quebrarem o monopólio em certos setores da economia, estimulando a reindustrialização em outras bases.

Outra medida que poderíamos citar é a reforma agrária. Há uma brutal concentração fundiária no país. Onde menos de 2% das propriedades rurais que concentram mais de 56% das terras agricultáveis no país. Inclusive ainda com a existência de muitos latifúndios improdutivos. Isso tem consequências para o desenvolvimento.  Como por exemplo, na produção de alimentos para o mercado interno, que poderia ser muito maior, diminuindo o custo de vida da população brasileira.

Enfim, para que haja um desenvolvimento econômico e social capaz de diminuir as desigualdades sociais e de criar as condições para atender as necessidades básicas do povo brasileiro, é fundamental mexer com a propriedade dos grandes meios de produção e com a riqueza acumulada, do contrário, em minha opinião, não caminharemos em direção ao socialismo do século XXI.

Se por um lado, Haddad parece não tirar as medidas programáticas consequentes de seu diagnóstico, Varoufakis, como busquei argumentar na primeira parte do texto, não tira todas as consequências estratégicas das medidas apresentadas por ele. Que as próximas etapas da 13 Jornadas nos ajudem a pensar  essas e outras questões, bem como a formular uma estratégia e um programa capazes de enfrentar os desafios da atual quadra da história, com o objetivo de construirmos o socialismo dos nossos tempos.

(*) Marcos Jakoby é militante do PT e professor


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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