Vidas passíveis ao luto?


Por Suelen Aires Gonçalves*

 

“…Ninguém incentiva um favelado a ler, escrever

Nós já nascemos preparados pra morrer

Nos proibiram de sonhar, se foderam

Somos o monstro que vocês criaram, seu pesadelo

Essa porra é um campo minado

PM aplica pena de morte com aval do Estado

Quem tá certo?

Quem tá errado?

Só sei que o alvejado é sempre o favelado

Quantos irmãos tombaram cedo demais

Favela vive sangrando implorando por paz, paz!”…

Favela Vive 2 (Cypher) (part. MV Bill, Funkero e B.K.) ADL MC’s

 

De acordo com dados recentes, apresentados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 61.619 mortes violentas em 2016, ano em que o país registrou o maior número de assassinatos da história: sete pessoas foram mortas por hora, um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública é atualmente uma fonte de dados sobre a segurança pública no país, sendo divulgado anualmente. Busca copilar e analisar os dados de registros criminais, investimentos em segurança pública, entre outros recortes introduzidos a cada edição.

Os dados de 2016, apresentados recentemente,são alarmantes. Alguns estados e regiões apresentam maiores índices. O nordeste é parte desta triste realidade: Sergipe registrou 64 mortes violentas por 100 mil habitantes, a maior taxa do país, seguido doRio Grande do Norte, com 56,9, e Alagoas, com 55,9 para cada 100 mil habitantes. Em relação àscapitais, temos o seguinte: Aracaju, com 66,7, Belém, com 64, e Porto Alegre, com 64,1 mortes violentas para cada 100 mil habitantes.

Um dado importante para nossa reflexão é o investimento para com políticas públicas de segurança em nosso país. Mesmo com um caosinstalado na área, os governos gastaram 2,6% a menos com políticas de segurança pública em 2016, o que representa um corte de 2,17 bilhões. chegandoa cifra de R$ 81 milhões. A maior redução foi observada nos gastos do governo federal: 10,3% a menos no período.

Um tema observado foi o uso da Força Nacional para operações em todo pais. A pesquisa aponta quehouve aumento de 292% no número de profissionais da Força Nacional mobilizados em ações em 2016.Sobre os recursos empregados, houve um aumento significativo de R$ 184 milhões para R$ 319 milhões. Na contra mão, no que tange investimento, houve redução real de 30,8% nos gastos com o Fundo Nacional de Segurança Pública, uma bruscaqueda de 63,4% nos gastos com o Fundo Nacional Antidrogas e aumento significativo de 80,6% nos recursos do Fundo Penitenciário Nacional.

O anuário apresentou alguns temas na qual se faz necessário uma reflexão das esquerdas no pais.  O primeiro versa sobre a violência policial, onde a letalidade das polícias nos estados brasileiros aumentou 25,8% em relação a 2015. Ou seja, 4.224pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares no Brasil. Sobre as vítimas, o recorte de gênero, geracional e racial é nítido: quase a totalidade das vítimas é homem (99,3%), jovem – 12 a 29 anos (81,8%), e é negra (76,2%). Por outro lado, quanto aos servidores da segurança pública, a morte de policiais também aumentou 17,5% em relação a 2015, chegando a 437policiais civis e militares vítimas de homicídio em 2016. A maioria das vítimas também é negra, sendo 56%, contra 43% de brancos. Ou seja, quem mata e quem morre tem um recorte nítido de gênero e raça segundo a pesquisa.

O segundo tema é relativo à violência contra as mulheres. Os dados do anuário são igualmente alarmantes. Os crimes de estupro e feminicídioganham destaque nesta triste realidade. O número de estupros cresceu 3,5% no país e chegou a 49.497 ocorrências em 2016. Inúmeras pesquisas nacionais e internacionais apontam que esse tipo de crime temuma cifra oculta que chega a 3 vezes o número de casos denunciados, portanto,, poderíamos trabalhar com um número aproximado de 150 mil casos em solo brasileiro. Sobre os feminicídios, no ano passado, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.657 mortes. Dados de 2015 do Mapa da Violência também apresentam um recorte racial nítido: mulheres negras são a maioria da parcela de vítimas fatais. Porém, mesmo com a Lei do Feminicídio em vigor desde março de 2015, apenas 533 casos foram classificados como feminícidio. Ou seja, precisamos estar atentas aos tramites do uso ou desuso da qualificadora.

Por fim, o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública traz uma triste comparação dos dados para chamar a tenção da população brasileira. Os mais de 61,5 mil assassinatos cometidos em 2016 no Brasil equivalem, em números, às mortes provocadas pela explosão da bomba nuclear que dizimou a cidade de Nagasaki, no Japão, em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, estamos em estado deguerra. Uma guerra com um “inimigo interno” bem nítido: a população negra, jovem, da classe trabalhadora e moradora das periferias Brasil afora. Quando o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulga que 72% das pessoas mortas por ação policial são negras, isto significa que diante de pessoas negras, os policiais, força armada do estado, tem o poder de vida e morte. O resultado tem sido cada vez mais morte. Precisamos falar disto e parar de negar evidências que estão em nossa frente.

#VidasNegrasImportam

 

* Suelen Aires Gonçalves compõe o conselho editorial da tendência petista Articulação de Esquerda

 

 Fonte: Página 13 n. 174, dez. 2017

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