Um olhar brasileiro e latino-americano sobre o Uruguai e as lutas do continente

 

Por Yuri Soares*

 

Entre 16 e 18 de novembro movimentos sindicais, sociais e populares de vários países se reuniram em Montevidéu, capital do Uruguai, na Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo, cujo relato detalhado pode ser lido aqui.

Não é novidade que temos sofrido com uma onda conservadora que é mundial, em um contexto de radicalização das elites em busca da superexploração do trabalho para aumentar seus lucros. Na contramão desta tendência os povos seguem resistindo a esta ofensiva e têm conseguido freá-la em diversos lugares e momentos.

Em nosso continente cabe sempre lembrar de Cuba, que sofre com o bloqueio imposto pelos EUA desde 1960, e que nos dias atuais continua fazendo frente às agressões do atual ocupante da Casa Branca, Donald Trump. Ou da Venezuela, que tem conseguido barrar as sucessivas tentativas golpista dos “esquálidos”, convocando seu povo para decidir democraticamente nas urnas os rumos do país. Na Bolívia, o governo Evo Morales segue firme na implementação de um projeto político que alia desenvolvimento econômico com diminuição da desigualdade social. Na Nicarágua, os sandinistas lograram recentemente vencer as eleições municipais conquistando 148 de 153 prefeituras.

No Uruguai fiquei impressionado com o modelo de organização da Frente Ampla, organização democrática fundada em 1971 e que congrega vários partidos e movimentos sociais. Conversando com muitos uruguaios estes comentavam que esta unidade era fruto sempre de muitos debates, atritos e mesmo pressões exercidas publicamente. Todos os ministros de Estado, os deputados, senadores e mesmo o presidente da República estão sujeitos ao acompanhamento constante e cotidiano por parte dos militantes políticos e da população em geral, que possuem diversos meios para influenciar na tomada de decisões e no programa político da frente.

A Frente Ampla governa o Uruguai desde 2005, com Tabaré Vázquez, Mujica e novamente Tabaré (cujo mandato se encerra em 2020) e a prefeitura de Montevidéu desde 1990 (cidade onde mora metade da população do país).

É de encantar o nível de politização da sociedade uruguaia. Sua central sindical unitária (PIT-CNT) agrupa todas as forças políticas do sindicalismo. No entanto, não é somente nos espaços óbvios ocorrem os debates políticos. Os músicos se mobilizam para que as rádios toquem 30% de músicas uruguaias, gerando mais empregos. Os jogadores de futebol fizeram uma greve para reclamar seus direitos e combater o monopólio da Tenfield, empresa que monopoliza o futebol uruguaio e exigir mudanças na direção da  entidade representativa da categoria.

Ainda no esporte, o ex-presidente da Associação Uruguaia de Futebol reclamava em um dos jornais conservadores por ter sido afastado da presidência da entidade em uma articulação feita pelo ex-presidente Mujica. Este ex-presidente, que não conseguiu resolver questões de violência nos estádios e de direitos de transmissão para a televisão, foi afastado por não ter maioria tanto entre clubes quanto entre jogadores e a sociedade (ler aqui). Talvez se tivéssemos tentado este tipo de operação na CBF o futebol brasileiro estaria hoje em uma situação melhor.

O Uruguai conseguiu avançar em uma série de direitos: trabalhistas e sociais, redução da pobreza, legalização da maconha, matrimônio igualitário para pessoas do mesmo sexo, legalização do aborto e investimentos em políticas públicas voltadas ao bem-estar da maioria da população.

Claro que não é possível, e tampouco deveríamos tentar, copiar qualquer modelo para além do território e da sociedade que o construiu. Mas, se há algo que podemos aprender com os uruguaios é que absolutamente todas as áreas da sociedade devem ser politizadas: desde uma ocupação por moradia e sua associação de vizinhos influindo no orçamento participativo municipal, trabalhadores organizados em seus sindicatos, federações e central sindical, cidadãos debatendo e influenciando os rumos de seus partidos políticos e sua frente, até músicos exigindo um mínimo de cotas nas rádios, passando por jogadores de futebol, estudantes universitários e artistas. Tudo é passível de uma análise crítica rumo à construção de uma sociedade mais justa e uma melhor vida para o povo.

Por fim, tive a impressão que a cidade de Montevidéu se desenvolveu razoavelmente desde 2011, quando a visitei para o Congresso Latino-Americano de Estudantes. Um desenvolvimento não agressivo, sem descaracterizar sua história, sua arquitetura, seu ar tranquilo e sem agredir seu povo.

Mesmo nos países onde a esquerda não está no governo o mundo ainda não acabou. A América Latina segue de cabeça erguida e resiste cotidianamente. Em cada conversa, em cada rua, praça, escola, universidade e local de trabalho continuaremos lutando em defesa das nossas riquezas, por mais igualdade, mais direitos, pela nossa diversidade cultural e por uma sociedade socialista!

 

* Yuri Soares é professor de História da Secretaria de Educação do DF, diretor do Sinpro-DF e secretário de Políticas Sociais da CUT-Brasília.

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