Sobre Biden: Revolução ou mais do mesmo? Um painel da economia dos EUA no século XXI

Por Luiz Sérgio Canário (*)

Esse texto não se pretende acadêmico nem a explorar as últimas novidades do pensamento econômico. Ele parte do deslumbramento que desceu aqui por nossas terras depois do anúncio do projeto de recuperação econômica lançado por Jon Biden nos EUA.  A repercussão cá na terra brasilis levou muita gente boa, inclusive de insuspeitos militantes de esquerda, a declarar que ele estava decretando o fim do neoliberalismo como doutrina econômica que prega a extinção das intervenções do estado na economia. Como a doutrina que entrega à “mão invisível do mercado” o bom funcionamento da economia e considera as pessoas e os trabalhadores em geral como “empresários de si mesmos”. O texto busca trazer dados da economia dos EUA desse século XXI e na medida do possível algumas avaliações e conclusões sobre esses dados. Não há nenhuma pretensão de trazer a verdade à luz. É uma pequena contribuição, principalmente com dados, para tirar essa discussão dos brilhos estelares para o comezinho detalhe dos números.

Sobre a dívida pública, títulos e o sistema bancário

Visivelmente os governos dos EUA se preocuparam muito pouco ao longo de quase 100 anos com o tamanho da sua dívida pública. Após a explosão, como percentual do PIB, ocorrido no governo Roosevelt, ela baixa até o início dos anos 80, bem no início do período que se considera que o neoliberalismo assume as rédeas do país, o governo Reagan. A partir daí a dívida cresce e não para mais de crescer, passando por governos republicanos e democratas. Somente no período de Clinton, um democrata, cai, para logo em seguida, no período do republicano Bush filho, voltar a crescer sem parar. Até atingir, e ultrapassar, o percentual do período Roosevelt, com Trump e o combate à pandemia. Nesse aspecto não há diferença entre uns e outros, democratas e republicanos rodam a máquina de imprimir dinheiro sempre que julgam necessário. A dívida nunca volta aos níveis de 1929. Demora cerca de 30 anos para voltar aos níveis do início do governo Roosevelt. A linha de tendência do gráfico é crescente, indicando que entre altas e baixas o crescimento é de fato consistente e significativo.

Portanto podemos concluir que no que diz respeito a um aspecto importante das teses neoliberais, que é o controle da dívida pública, os EUA nunca foram neoliberais. Desde 2010 o limite mágico de 90% do PIB foi superado. E desde 2013 é maior que 100% do PIB, estando hoje ao redor de 130% do PIB. O Japão superou esses tais limites há muito tempo e hoje tem uma dívida que representa cerca de 270% do PIB. Mas não está sozinho: Grécia (233%), Reino Unido (108%), França (116%), Itália (162%) e Canadá (110%) engordam a lista.

Analisando o período de Reagan a Trump, 1981 a 2020, vemos que não há presidente mais ou menos neoliberal quando o assunto é gestão da dívida pública. Os dois presidentes que mais aumentaram a dívida foram os republicanos Reagan, 161% e Bush filho, com 73%. Mas o democrata Obama aumentou a dívida 64% em seu período. A maior dívida pública do mundo cresceu com a decidida colaboração de todos os presidentes. Quando se trata de fazer sua economia crescer, proteger o complexo militar, proteger o sistema financeiro, bancos em especial, ou seus interesses serem atendidos, não há limites para o endividamento. O dinheiro jorra. Chama a atenção que o “pai” do neoliberalismo, parceiro de todas as horas de Margaret Thatcher, foi o presidente que mais incrementou a dívida pública. Bem à moda do faça o que digo, mas não faça o que eu faço. Limites para dívida e contensão do seu crescimento são dogmas impostos pelo império à sua periferia. Nos EUA o norte da política fiscal é o que for bom, sob algum aspecto, para a economia deles. Sem nenhum rigor teórico ou enquadramento em dogmas macroeconômicos.

No século XXI a dívida em US$ foi multiplicada por quase 5. E o maior credor dela sempre foi o resto do mundo. O mercado de títulos públicos dos EUA atua como um aspirador de recursos do mundo. O Tesouro e os fundos têm uma participação significativa. Os bancos têm uma participação muito pequena. A participação do Tesouro tem aumentado desde a década anterior, logo a seguir à crise do sub-prime em 2008. Investidores institucionais, o Tesouro e o mundo sustentam o endividamento dos EUA. A pouca participação dos bancos chama a atenção.

Os dois principais detentores de títulos dos EUA são disparados o Japão e a China. Há pouco tempo a China era o maior, mas foi superada pelo Japão. Esses países são donos de mais da metade da dívida na posse de outros países. Os dois juntos têm título no valor de quase US$2,5 trilhões. Uma montanha de dinheiro maior que o PIB brasileiro. O Brasil aparece com o sexto maior credor. As reservas internacionais brasileiras estão quase todas em títulos da dívida dos EUA. Essa posição dos países na sustentação da dívida dos EUA indica a confiança que o mundo tem na solidez da economia de lá no longo prazo.

Ou seja, Biden não está fazendo nada de diferente, do ponto vista da ampliação dos gastos públicos, do que sempre foi feito por presidentes dos EUA, especialmente desde 1981. Cada presidente enfrentou as necessidades, por variados motivos, da mesma forma: endividar, fazer jorrar recursos públicos na economia. Se isso acontece desde sempre, não é verdade que Biden esteja se desviando dos caminhos do neoliberalismo. Sob esse aspecto ele não está se desviando de nada! Sob qualquer aspecto, sob qualquer influência de teorias macroeconômicas, e até mesmo na contramão delas, transferir recursos para a economia nunca foi um problema para presidentes do grande império do norte das Américas. As restrições ao crescimento da dívida pública ficam para a periferia e suas burguesias subordinadas e antinacionais. Portanto qualquer política em nosso país que implique na elevação do endividamento público nada mais está fazendo do que repetir as práticas da matriz. Teorias macroeconômicas à parte. Talvez esteja na hora de irmos buscar no velho Karl Marx e seus discípulos na teoria econômica explicações e saídas dessa crise.

O tamanho do mercado financeiro, dos bancos e dos valores nos EUA são muito grandes e crescentes. E vem se concentrando. Abaixo a posição dos 5 maiores bancos dos EUA demonstra os números:

Os ativos dos 5 maiores bancos chegam a estratosféricos US$9 trilhões. Várias vezes maior que o PIB brasileiro de cerca de US$1,5 trilhões. No século XXI os ativos desses bancos cresceram US$7 trilhões ou 385%. O maior deles, o JP Morgan, cresceu 462% em ativos. O Wells Fargo cresceu inacreditáveis 1.154%. Esse é o gigantismo do sistema bancário nos EUA. E também um retrato da concentração do mercado bancário.

Nesse século mais de 1.500 agências bancárias fecharam. Mas os ativos de todo o sistema bancário aumentaram 222%, com a participação dos 5 maiores aumentando 46%. Quase metade dos ativos estão concentrados em 5 instituições financeiras.

Essa concentração do mercado aumenta o risco que qualquer problema com esses gigantes pode trazer, não só aos EUA, mas ao mundo. A crise de 2008 mostrou ao mundo a relativa fragilidade desses monstros. E também mostrou até onde o governo está disposto a chegar na manutenção da estabilidade do sistema. Foram US$ bilhões injetados no sistema financeiro para evitar uma quebra generalizada. Os ativos em mãos do FED, o banco central dos EUA, triplicaram em 2008. E quase dobraram do início da pandemia até agora. Isso sinaliza que operações de Quantitative Easing, em que o banco central compra títulos dos bancos comerciais, seguem a todo vapor.

Em outro exemplo do gigantismo do mercado de títulos dos EUA, o valor de todas as ações negociadas nas principais bolsa de valores dos EUA atinge US$45 trilhões. Em 2001 eram US$14 trilhões, representando um crescimento de 227% no valor total. Entre os anos de 2019 e 2020 cresceu 51%, mesmo com crise e pandemia.

Nesse século somente em 2008 esse valor não foi maior que o PIB. Hoje é pouco mais de duas vezes. Nas bolsas dos EUA, além dos títulos das empresas americanas, há títulos de empresas de todas as partes do mundo. Há nas bolsas ADRs, American Depository Receipts, de 441 empresas de 36 países, que somam cerca de US$9 trilhões, cerca de 42% dos valores das ações negociadas nas bolsas. Dessas, 31 empresas são brasileiras com valor de US$581 bilhões. Algumas empresas brasileiras: Vale, Petrobras, Ambev, Natura, Itaú e Braskem.

É de se notar que as fortunas das pessoas mais ricas do mundo, boa parte delas, como Elon Musk, da Tesla, e Jeff Bezos, da Amazon, é formada de ações de suas empresas. E nesse ano de pandemia viram suas fortunas aumentarem bastante.

Produção industrial e investimentos

Do outro lado do crescimento estratosférico do mercado de capitais a participação da indústria no PIB caiu ao longo de todo o século XXI.

A participação caiu de 15% em 2001 para 10% do PIB em 2020, cerca de 33% de queda. Mas em valor em US$ cresce quase que continuamente. Saiu de US$1,6 trilhões em 2001 para US$2,2 trilhões, crescendo cerca de 34%. Mesmo perdendo participação ainda é bem maior que o PIB brasileiro. Essa desindustrialização relativa tem causas muito diferentes que no Brasil. E impactos diferentes. Um aspecto comum é que essa desindustrialização acaba com muitos bons empregos e é um dos fatores da redução da mediana dos salários.

Esse indicador reforça a percepção de que a economia dos EUA caminha a passos largos para uma financeirização dada vez maior e reduzindo a força da economia real.

Se os fluxos financeiros são cada vez maiores, o comércio internacional de bens e serviços segue estável, com pouca variação nesse século em relação ao PIB. A crise de 2008 interrompe um ligeiro crescimento, com uma queda em 2009. A retomada em seguida não se sustenta e desde 2010 vem caindo. Há muitos anos, todos desse século, o comércio internacional é deficitário. A mudança das bases de produção de muitas empresas, com a Apple, para o exterior contribui com esse déficit. A necessidade de insumos, EPIs e equipamentos médicos na pandemia evidenciou a dependência não só dos EUA, mas do mundo, na produção industrial muito concentrada na China. A 3M, por exemplo, produz o tecido das máscaras de proteção mais seguras nos EUA, mas as máscaras são produzidas na China.

Cumprindo o seu papel de imã para o dinheiro do mundo, a economia dos EUA atrai a maior parte do investimento estrangeiro direto, o IED, no mundo. Esses recursos seriam destinados para o investimento não financeiro, para a produção. Não é um título ou papel. A rigor são investimentos para aumentar, de alguma forma, a capacidade produtiva. O retorno do investimento seria função direta do sucesso da atividade objeto do investimento. No entanto, como muitas vezes acontece, esse mecanismo também é usado para a transferência fraudulenta de recursos que vão parar no mercado financeiro ou no caixa das empresas.  O Brasil em 2020 foi o nono país que mais atraiu investimentos. Mas a escala é diferente. China foi o destino de US$212 bilhões e os EUA de US$177 bilhões. O Brasil atraiu US$25 bilhões em 2020. China e EUA atraíram 42% do IED capturados pelos 20 maiores destinos. Os valores negativos estão em países em que houve desinvestimento líquido, investidores retiraram seus capitais em volume maior do que colocaram.

Emprego e renda dos trabalhadores

Mas, como afinal os EUA são o centro do império capitalista, o trabalhador paga parte grande da conta, perdendo seus empregos ao sabor dos movimentos do PIB. A concentração de renda aumenta e nesse campo o neoliberalismo e suas políticas nadam de braçada.

A taxa de desemprego, que caia desde 2010, volta subir fortemente em 2020, saindo de 3,68% em 2019 para 8,11% em 2020, chegando perto dos 9,61% de 2010. A pandemia destruiu uma parte importante da alavanca de crescimento por lá: o consumo das famílias. A renda do trabalho caiu bastante com o desemprego.

A massa salarial nos primeiros anos do século XXI perde valor em relação ao PIB, saindo de 46,82% em 2001 para 43,84% em 2006. A partir de 2009 volta a perder valor em relação ao PIB e pouco se altera nos anos seguintes. Enquanto os salários sobem 88% no período, o PIB cresce 97%, uma diferença de cerca de 11% a favor do PIB.

Essa queda demonstra que o aumento da riqueza do país não fez os salários subirem. Os trabalhadores deixam de ser beneficiados pelo aumento da renda nacional, que é apropriada por outros setores da economia. A riqueza escapa das mãos dos trabalhadores e vai se concentrar em outras mãos, principalmente no mercado financeiro. E os ricos ficam cada vez mais ricos, provocando uma mudança estrutural no american way of life. O crescimento da renda de uma geração em relação a anterior, vigente há anos, não acontece mais, reduzindo o padrão de vida da classe trabalhadora e dos setores de renda média. Os filhos têm um padrão de vida mais baixos que os pais. Os caros financiamentos para pagar o curso superior já faz com que se comesse a vida profissional com uma dívida grande.

A comparação da média com a mediana dos salários mostra que apesar do salário médio ter aumentado cada vez mais trabalhadores ganham salários mais baixos, ou seja, há mais trabalhadores ganhando menos do que o ponto central da escala de salários. E no reverso, cada vez menos trabalhadores se apropriando de uma maior parte da massa salarial. A desigualdade entre os próprios trabalhadores é crescente.

A relação mediana-média, que já foi de 69% em 2002, estava em 66% em 2019. O ponto mais baixo foi em 2012 com 65%.

Os gastos das pessoas permanecem estáveis em relação ao PIB, variando ao redor dos 68%. Com uma massa salarial menor e com uma participação maior dos que ganham mais nela, a princípio, haveria mais dinheiro concentrado em menos mãos. Dentre várias conclusões, até porque o consumo não é uma variável diretamente relacionada com os salários, há outras variáveis, como o crédito, por exemplo, nesse cenário, essa estabilidade pode significar que os gastos dos mais ricos aumentaram, distanciando o padrão de vida desses dos da classe trabalhadora e do povo. E essa é aparentemente uma realidade na vida do povo dos EUA.

Outros gastos

Como representa parte significativa dos gastos do governo, mais de 50%, e também sinalizam em certa medida a disposição beligerante do império, os gastos militares, que estavam caindo entre 2010 e 2015, voltam a subir a partir de 2016. Os gastos estão ao redor dos US$500 bilhões, perto de um terço de nosso PIB e cerca de 3,5% do PIB dos EUA. É de longe o maior gasto com defesa do planeta. Se a esse valor se agregam outros indiretamente ligados à defesa, como serviço secreto, CIA, FBI e outras agências de segurança e inteligência, esses gastos ficam bem maiores. O complexo de defesa custa muito dinheiro ao povo dos EUA.

Resumindo

Os dados e comentários acima dão uma visão panorâmica do comportamento da economia do império norte-americano no século XXI. Também do que significa por lá essa questão de endividamento público. Sob qualquer perspectiva os EUA constroem suas políticas olhando para as suas necessidades e interesses como potência imperialista econômica e militar. Cânones da economia são reflexões que podem ser usadas para a análise dos economistas e da academia. Até mesmo para balizar algum tipo de análise para tomada de decisão. Mas é certo que as decisões são tomadas por agentes e representantes da burguesia de formas a produzir os maiores retornos para o centro do império. Mesmo que isso não signifique melhora no bem-estar da população. Seja movimentando sua máquina de guerra, sua produção industrial, sua indústria cultural ou sua indústria financeira, em cada momento da história o imperialismo dos EUA gerou soluções que buscavam garantir taxas de retorno e a acumulação capitalista maximizadas, mantendo o crescimento do capitalismo e seu constante avanço sobre todas as atividades no planeta. A prosperidade da classe trabalhadora do país é sempre um efeito colateral, mas nunca o centro das decisões. A menos em momentos, poucos na história, em que os trabalhadores pressionaram por uma fatia maior da riqueza imensa produzida.

O chamado deep state, o estado profundo, onde está a burguesia que pensa e elabora os rumos do capitalismo americano, toma decisões que moldam o país, sua economia, suas políticas internas e externas e, por consequência, com muito peso, ajuda a definir em que direção vai o capitalismo mundial. O neoliberalismo como teoria econômica se ajusta bem aos interesses dessa burguesia na fase atual do capitalismo. Mas não como um manual. Em aspectos que submetem as economias dos países ao serviço do capital financeiro, predominante nessa era, é quase uma teologia. No entanto, para a condução das suas políticas internas e daquilo que afetam a estabilidade dos países centrais do imperialismo financeiro, as margens de manobra são maiores, permitindo políticas que em países da periferia, subordinados aos seus interesses, são interditadas, como a questão dos limites ao endividamento público.

Como tudo que ocorre no centro do império, naquilo que é positivo para os seus interesses, o neoliberalismo é a cartilha a ser seguida. Princípios neoliberais são essenciais para o estágio atual do capitalismo: a financeirização, o primado do capital financeiro. O mundo passa a ter que atender as necessidades desse novo estágio. O livre trânsito de capitais passa ser fundamental. As finanças nacionais precisam estar subordinadas a gestão da dívida pública com esforços enormes para manter a remuneração dos títulos públicos. A política macroeconômica tem seu foco em atender as necessidades do capital financeiro e subordina toda a burguesia a essa necessidade. A economia passa a ser fundamentalmente subordinada a transações financeiras com títulos de toda ordem. A cada dia novos produtos financeiros são criados com um enorme potencial de criarem todo tipo de instabilidade e desordem, como ficou claramente demonstrado na crise do sub-prime, que foi o estopim da crise de 2008. Os centros do imperialismo subordinam tudo a financeirização. Empresas que nunca dão resultado, como o UBER, valem fortunas nas bolsas de valores. Derivativos e produtos financeiros que não tem nenhuma base na economia real crescem sem parar, mesmo com os riscos sistêmicos que significam.

Nesse cenário os bancos e instituições financeiras, principalmente as dos EUA, capturam partes cada vez maiores da riqueza mundial. Passam por essas instituições títulos de dívida pública de todo o mundo. E os números são gigantescos. Em 2020 os países se endividaram em US$15 trilhões. Elevando o estoque de dívida para cerca US$250 trilhões ou 365% do PIB mundial. Além de impagável, até porque não foi construída para ser paga, o giro dessa dívida consome cada vez mais recursos de todos os países. E o gigantismo retroalimenta o gigantismo em uma espiral para o infinito e além. É o capital que valoriza o capital, mas sem nenhuma base real. Puro capital fictício.

Tudo isso gera tensões difíceis de serem administradas. Essa potência financeira não gera riqueza para o bem-estar das pessoas. A riqueza aumenta, mas as pessoas são cada vez menos beneficiadas por ela. As tecnologias e a ciência evoluem a um ritmo rápido, mas beneficiando menos gente. As tecnologias e os avanços da medicina e dos remédios não estão disponíveis para todos. Apesar de ser bastante usada a internet ainda não alcança a todos, deixando uma parte significativa das populações excluídas dos avanços nas prestações de serviços, até mesmo públicos, apoiados em plataformas sobre a internet. A concentração da riqueza abre espaço para que um casal de cantores compre um carro de mais de R$150 milhões. Enquanto há pessoas morrendo de fome. A evolução do capitalismo até o século XXI, dominando quase toda atividade econômica no planeta, não foi capaz de resolver os problemas mais básicos da existência humana. Além de comprometer a nossa própria sobrevivência pelo mau uso que faz dos recursos naturais, comprometendo a estabilidade da vida no planeta. Para a humanidade hoje esse é um sistema que não tem como oferecer uma saída que beneficie a maior parte da população. Não há teoria econômica pura, economicista, que dê conta disso.

E quando olham para as pessoas a tragédia é enorme. A visão neoliberal do homem individualmente senhor do seu destino e que a chave do sucesso é o mérito individual faz parte desde muito do tal american way of life. O discurso da meritocracia é dominante por lá desde muito tempo. E tudo funcionou muito bem até as transformações estruturais reduzissem a riqueza necessária para manutenção de um padrão de vida crescente geração após geração. Se a Europa era a terra do bem-estar social sustentado pelo estado, os EUA eram a terra da livre iniciativa, do empreendedorismo, da conquista de novas fronteiras. Tudo com a suposta pouca intervenção do estado. As teorias neoliberais, que sempre foram nesse aspecto muito próximas do povo dos EUA, minaram e estão extinguindo, por um lado as oportunidades do imenso mercado dos EUA, e por outro, com a capacidade dos estados nacionais manterem o cardápio de serviços e de benefícios oferecidos as suas populações. Em sua nova etapa até mesmo a grande disponibilidade de mão de obra, principalmente no centro do império, deixou de ser fator necessário para a valorização do capital. Nos EUA com a crescente importação de produtos industrializados e a migração de parte de seu parque industrial principalmente para o oriente, aumentando a desindustrialização, a necessidade de mão de obra qualificada diminuiu.

Conclusão

Biden não anuncia nada de revolucionário. Nenhuma novidade quando se olha a história dos EUA. O alastramento da pobreza e aumento das tensões sociais, escancaradas nas últimas manifestações contra o racismo, deixaram claro que algumas concessões eram necessárias para acalmar o povo e dar um gás à recuperação econômica pós pandemia, necessária para a manutenção dos empregos. Além disso a pandemia também deixou evidente que a China é cada vez mais o adversário a ser batido. A dependência do mundo em relação a planta industrial chinesa para todo tipo de insumo e equipamentos médicos básicos ficou muito evidente.

O presidente dá quase que segmento ao slogan America First de seu antecessor, o inigualável Donald Trump. Ele foi muito rápido em divulgar programas que mesmo por lá se julga difíceis de serem implementados. Ele percebeu que tinha que dar respostas rápidas para se diferenciar logo de largada de Trump. E parece que conseguiu. Até por aqui foi incensado como quase revolucionário. Mas a história mostra que não é bem assim. Primeiro é mais uma carta de intensões do que algo com sólidas perspectivas de aprovação. Segundo porque imprimir dólares e emitir títulos nunca foi problema por lá.

Nesse momento o que precisamos é de uma outra visão para a análise e construção de um programa de econômico que represente de fato os interesses da classe trabalhadora e do povo brasileiros. E o PT tem uma enorme responsabilidade nisso, uma vez que são grandes as chances de Lula se eleger. Não temos mais de onde tirar respostas dos Keynes, Kaleckis ou Friedmans. Desse mato não sairão os coelhos que precisamos. Parafraseando a famosa Tese 11 de Marx sobre Ludwig Feuerbach: Os economistas tradicionais, largamente ensinados nas academias, têm apenas propostas e visões diferentes para administrar e explicar a economia capitalista; a questão, porém, é encontrar caminhos para transformar e extinguir a ordem capitalista mundial. Ou em menos palavras: Mais Marx e menos Keynes!

(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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