Situação política e tarefas (programa, estratégia e tática)

Projeto de resolução ao 5° Congresso Nacional da AE
1. Situação política e tarefas (programa, estratégia e tática)

EM TEMPOS DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA

1.1. No dia 8 de setembro de 2019, o Partido dos Trabalhadores elegerá as delegadas e os delegados que participarão de seu 7º Congresso Nacional, convocado para os dias 22, 23 e 24 de novembro de 2019.

1.2. Também no dia 8 de setembro, serão eleitos os delegados e as delegadas que participarão dos congressos estaduais do Partido, que ocorrerão simultaneamente, nos dias 19 e 20 de outubro de 2019.

1.3. No mesmo dia 8 de setembro, os filiados e as filiadas ao PT em todo o país vão escolher os diretórios municipais e zonais do Partido, bem como os respectivos presidentes e presidentas.

1.4. Poderá votar no dia 8 de setembro, todo mundo que já for filiado ao PT, ou que venha a se filiar até o dia 8 de junho de 2019.

1.5. Ainda não foi aprovado, pelo Diretório Nacional do PT, o regulamento detalhando quando devem ser inscritas as teses e as chapas que buscarão o voto dos filiados e filiadas.

1.6. Mesmo assim, a tendência petista Articulação de Esquerda aprovou esta tese referente à “situação política e tarefas – programa, estratégia e tática”, para debate no 7º Congresso do Partido dos Trabalhadores, que comporá, juntamente com a tese “a construção e a disputa de rumos do PT’, o conjunto da nossa contribuição ao debate do congresso partidário.

1.7. Evidentemente, trata-se de um texto sujeito a alterações de forma (para adequar aos tamanhos que sejam estabelecidos no regulamento do Congresso do PT) e alterações de conteúdo (incorporando novos temas e atualizando questões). Estas alterações serão feitas pela direção nacional da Articulação de Esquerda.

1.8. Nossa tese chama-se EM TEMPOS DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA.

1.9. Este nome funde duas ideias, que vem sendo desenvolvidas pelas resoluções da tendência desde 2005 (“a esperança é vermelha”) e desde 2015 (“tempos de guerra”).

1.10. Desde 2005, a Articulação de Esquerda vem defendendo que o Partido dos Trabalhadores aprove e implemente uma nova estratégia. Esta nova estratégia deve ter por objetivo disputar o poder, não apenas o governo. Deve basear-se na auto-organização, mobilização e consciência da classe trabalhadora, não em alianças com setores da classe dominante. E deve ter como objetivo realizar reformas estruturais na sociedade brasileira, numa direção socialista.

1.11. Desde 2015, a Articulação de Esquerda vem afirmando que a classe dominante brasileira mudou de estratégia e não aceita mais conviver com uma esquerda que seja alternativa de governo e que possa vir a ser alternativa de poder. Esta mudança de estratégia, por parte da classe dominante, tornava ainda mais urgente e necessário que o PT mudasse de estratégia.

1.12. Lamentavelmente, a maioria do Partido dos Trabalhadores – influenciado especialmente pelo grupo que ainda hoje segue controlando o Diretório Nacional do Partido – subestimou as ameaças e manteve, no fundamental, a mesma orientação estratégica. A maioria do Partido não percebeu que os sucessos parciais que a estratégia antiga nos proporcionou, só foram possíveis numa situação que não existia mais. Uma estratégia baseada na conciliação de classe supõe que o outro lado queira, pelo menos, conciliar.

1.13. O resultado foi catastrófico: ganhamos a eleição de 2014 e adotamos, logo em seguida, uma política econômica que prejudicou nossos eleitores, sem ganhar um único apoio entre nossos opositores. Depois sofremos o golpe do impeachment; a condenação, prisão e interdição da candidatura de Lula; e a derrota para Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018.

1.14. Apesar disso, seguem existindo dentro do PT pessoas e grupos que agem como se as coisas continuassem “como antes, no quartel de Abrantes”.

1.15. Parecem acreditar que vamos derrotar o governo Bolsonaro usando os mesmos métodos que utilizamos para derrotar os governos tucanos. Não percebem que o governo Bolsonaro tem por trás de si uma ampla coalizão de forças, que não quer apenas nos derrotar, quer nos destruir. Não se dão conta de que só enfrentaremos e derrotaremos este governo, se conseguirmos recuperar os apoios que perdemos junto a classe trabalhadora; e que só conseguiremos isso se mudarmos profundamente nossos métodos de trabalho, de organização, de contato com a população.

1.16. Não percebem que vivemos “tempos de guerra”. Ou, se percebem, não tiram as consequências práticas disto. E resistem a adotar uma nova estratégia. Por isso, também resistiram o máximo que puderam a convocar o 7º Congresso. E, pelo mesmo motivo, não vão se esforçar no sentido de fazer do 7º Congresso um momento de debate realmente profundo.

1.17. Nossa atitude – não apenas da tendência petista Articulação de Esquerda, mas também dos demais setores que lutaram pela realização do 7º Congresso – deve ser outra, completamente diferente.

1.18. Queremos um congresso que atualize nossa visão sobre o mundo, sobre a América Latina e sobre o Brasil. Que faça um balanço da atuação do PT no último período. Que aponte com qual programa e com qual estratégia vamos enfrentar a coalizão golpista. E que detalhe as mudanças organizativas que se fazem necessárias, para que o PT continue sendo o principal representante da classe trabalhadora brasileira.

1.19. As teses a seguir são nossa contribuição neste sentido.

A SITUAÇÃO INTERNACIONAL

1.20. As resoluções do 6º Congresso do PT (2016) sobre a situação internacional continuam, no essencial, atuais. A crise do capitalismo, que teve seu epicentro nos países desenvolvidos em 2008, não se encerrou. Teve consequências – de desaceleração ou de recessão econômica – sobre o conjunto dos países do mundo, com importantes impactos negativos sobre o Brasil e a América Latina.

1.21. A crise do capitalismo é a principal variável estrutural da situação internacional. A hegemonia sem precedentes do capitalismo no mundo faz com que sua crise repercuta com maior profundidade do que nas crises anteriores, ocorridas no século 20. A natureza do capitalismo contemporâneo, dominado por sua fração financeira, faz com que a crise adquira características ainda mais grotescas e perigosas. Os Estados Unidos, que lideraram o mundo capitalista desde 1945 e que capitanearam desde o princípio as políticas neoliberais, continuam sendo a principal potência, mas experimentam uma situação de declínio relativo de sua hegemonia. Os EUA não assistem passivamente a este declínio: estão hoje envolvidos em uma guerra ideológica, política e comercial contra as potências concorrentes, não sendo possível descartar que esta guerra converta-se num conflito militar de grandes proporções.

1.22. O mundo hoje é multipolar, mas não é pacífico, lembrando a situação que precedeu as duas grandes guerras mundiais. As instituições criadas depois da Segunda Guerra (como a ONU, o FMI, o Banco Mundial), as criadas posteriormente (como a Organização Mundial do Comércio) e muitas das criadas recentemente (como os BRICS) não são capazes de superar a situação de desarranjo e crise por que passa o mundo. Por todas as partes do planeta, crescem os conflitos, causados em última instância pelos ataques dos capitalistas contra a classe trabalhadora e contra os povos que vivem na periferia do capitalismo.

1.23. A ofensiva da direita e dos Estados Unidos contra os governos progressistas e de esquerda da América Latina e do Caribe faz parte da batalha mundial que os EUA estão travando, para recuperar sua hegemonia. Até o momento, a ofensiva conseguiu derrubar, derrotar ou pelo menos deixar na defensiva os governos da Argentina, Brasil, Equador, El Salvador, Nicarágua, Uruguai, Venezuela, Bolívia e Cuba.

1.24. Paradoxalmente, foi neste mesmo momento que os setores progressistas e de esquerda conseguiram eleger o presidente do México, o que se pro um lado impõe limites ao novo governo mexicano, por outro lado demonstra as potencialidades da situação regional.

1.25. Frente à ofensiva da direita e dos EUA, há reações diferentes nas esquerdas latino-americanas, algumas das quais ficaram claras no debate sobre como enfrentar a ameaça de guerra contra a Venezuela: de um lado os que sugeriram uma quase capitulação, de outro lado os que defenderam resistir.

1.26. O fundamental é perceber que estamos diante de uma tentativa de ocupação da América Latina e do Caribe, por governos submissos aos interesses dos Estados Unidos. Que as classes dominantes da região concordam, no fundamental, com esta ocupação, porque não enxergam outra maneira de derrotar a fortaleza da esquerda regional. Que, portanto, cabe a classe trabalhadora liderar a luta pela soberania nacional e integração regional, vinculando esta luta à defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais. E que esta luta só terá êxito pleno se a classe trabalhadora conseguir controlar não apenas o poder político, mas também controlar a economia de cada país e da região. Noutras palavras, a reação das classes dominantes e dos EUA contra os governos progressistas e de esquerda exige, como resposta, mais radicalidade e mais socialismo.

1.27. Neste sentido, a política internacional do Partido dos Trabalhadores deve ter como absoluta prioridade o Foro de São Paulo. Em segundo lugar, a relação com os partidos e setores de esquerda nos Estados Unidos, África, Europa e Ásia. Em terceiro lugar, a relação com setores socialdemocratas e progressistas em todo o mundo. Num mundo em que as classes dominantes acentuam o imperialismo, destroem as liberdades democráticas e o bem estar social, nossas relações prioritárias são com os setores anti-imperialistas e anticapitalistas.

1.28. Superar a dependência externa exige enfrentar o imperialismo, afirmando nossa soberania nacional em todos os terrenos: econômico, político, militar e ideológico. Voltando ao governo brasileiro, nossa política externa privilegiará a integração regional latino-americana e caribenha, assim como o aprofundamento das relações com os países do Oriente Médio, da África e da Ásia, especialmente com a Rússia e com a China.

A SITUAÇÃO NACIONAL

1.29. O governo Bolsonaro é um show de variedades bizarras e macabras: crime organizado, fundamentalismo, medievalismo, misoginia, racismo, lgbtfobia, intolerância, despreparo, entreguismo, saudosismo da ditadura militar e extremismo neoliberal. Além disso, é um governo atravessado por disputas internas e públicas. Mas não devemos nos iludir: por trás desta confusão, aprofundam-se os ataques do governo Bolsonaro à soberania nacional, aos direitos sociais e às liberdades democráticas.

1.30. É preciso perceber, também, que o governo Bolsonaro não é uma completa novidade. Suas ações e seu programa constituem uma radicalização das quatro principais características da sociedade brasileira, ao longo dos últimos séculos:

  • 1.30.1. a dependência externa, frente aos portugueses, aos ingleses e agora aos EUA;
  • 1.30.2. a desigualdade social, com destaque para a escravização de africanos e indígenas, a expropriação dos pequenos camponeses e a brutal exploração dos trabalhadores assalariados;
  • 1.30.3. a democracia limitada, um país que foi monarquia escravista por quase quatro séculos, que só teve liberdades políticas mais ou menos plenas em apenas 30 de 130 anos de República;
  • 1.30.4. o desenvolvimento conservador, em que o país cresce menos do que poderia e deveria, quase sempre conservando em poucas mãos a riqueza e o poder.

1.31. Essas quatro características do nosso país não se impuseram espontaneamente, naturalmente. Sempre houve resistência, sempre houve luta em favor de outros caminhos, de outras formas de organizar nossa sociedade.

1.32. O desenvolvimentismo progressista, o nacionalismo popular, o democratismo radical e o socialismo revolucionário são expressões ideológicas destes caminhos alternativos, cada um deles representando os interesses de diferentes classes, frações de classe e blocos de classe.

1.33. Mas aquelas quatro correntes ideológicas e as correspondentes forças sociais e políticas nunca conseguiram impor uma derrota global às classes dominantes brasileiras. Ou seja, a maioria do povo brasileiro nunca controlou o poder de Estado. O máximo que aquelas correntes e forças conseguiram, ao longo de toda a nossa história republicana, foi conquistar pelo voto e participar, por breve período de tempo, do governo federal.

1.34. Isto ocorreu por três vezes: no governo Getúlio Vargas (1950-1954), no governo João Goulart (1961-1964) e nos governos Lula e Dilma (2003-2016). Nos três casos, foram governos marcados por contradições internas, insuficiências, concessões e alianças com setores das classes dominantes. Nos três casos, a experiência de governo de setores populares foi encerrada com um golpe de Estado. O que confirma ser muito pequena a “margem de manobra” para uma experiência reformista no Brasil. Não porque a esquerda não queira ser reformista, mas porque a classe dominante não aceita nem mesmo pequenas reformas.

1.35. O golpe de Estado – seja em 1954, 1964 ou 2016/2018 –, é a ação do núcleo duro do aparato de Estado (constituído pelos militares e por outros setores da burocracia permanente de Estado) contra aqueles que chegaram ao governo federal através do voto. No golpe, o núcleo duro do Estado age em nome dos interesses da classe dominante. O golpe demonstra aos que ocupam temporariamente o governo, quem é que controla o poder de Estado.

1.36. Cada golpe tem sua história. No caso do golpe mais recente, ele foi realizado em três fases: o impeachment sem crime de responsabilidade, que afastou a presidenta Dilma em 2016; a condenação, prisão e interdição de Lula, ocorrida ao longo de 2018; e a eleição de Jair Bolsonaro, em outubro de 2018.

1.37. A eleição de Bolsonaro não era inevitável: contra Lula, ele perderia; contra Haddad, ganhou graças a um tsunami de fake news; e mesmo assim, porque antes houve um derretimento das demais candidaturas conservadoras.

1.38. O golpe de 2016-2018, como os outros, foi possível graças a uma ampla frente anti-democrática, composta pelos políticos conservadores, pelos setores médios tradicionais, pela mídia oligopolista, pelo partido judiciário, pela cúpula militar, por empresas disfarçadas de igrejas, pelos governos dos EUA e de Israel, pelo grande capital. O clã familiar dos Bolsonaro foi, portanto, instrumento de uma operação mais ampla.

1.39. A eleição de Bolsonaro e seu governo não são um “ponto fora da curva” na história do Brasil. Mas há pelo menos duas novidades importantes, em relação aos golpes de 1954 e de 1964: a) pela primeira vez, assistimos a uma vitória eleitoral da extrema-direita, em associação explícita com o “partido militar”; b) nunca antes em nossa história o crime organizado chegou tão perto da presidência da República.

1.40. O programa do governo Bolsonaro (e da frente ampla golpista que o elegeu) pode ser resumido em três ideias: aumentar a taxa de dependência externa, aumentar a taxa de exploração social e aumentar a taxa de opressão política.

1.41. Este programa vem sendo executado pelo governo Bolsonaro, desde o primeiro dia. Submissão aos EUA, ao ponto de colocar o Brasil em pé de guerra contra a Venezuela. Adoção de medidas que aumentam o desemprego, reduzem o salário direto e indireto, destroem o sistema público de aposentadoria em benefício dos interesses do capital financeiro. Estímulo à violência e a militarização da vida cotidiana, ataque contra as liberdades civis e os direitos humanos, agressão contra os sindicatos e os partidos de esquerda, ataques contra o pensamento democrático e socialista.

1.42. O governo Bolsonaro encerra um ciclo inédito na história do Brasil Republicano. Em 130 anos de República (1889-2019), o Brasil viveu três situações: 64 anos em que apenas os partidos da classe dominante podiam disputar e vencer eleições; 36 anos de ditaduras assumidas, em que nem mesmo os partidos da classe dominante podiam disputar e vencer eleições para controlar o governo federal; e 30 anos em que partidos ligados à classe trabalhadora puderam disputar mais ou menos livremente eleições, acumular forças, vencer e governar o país por 13 anos. É este ciclo inédito que os golpistas encerraram, entre 2016 e 2018. Daqui para frente, eles farão de tudo para que voltemos à situação que marcou o Brasil por 64 anos: apenas os partidos da classe dominante poderão disputar e vencer eleições. E, se necessário for, podem inclusive apelar para restrições abertamente ditatoriais.

1.43. Caso o governo Bolsonaro não seja derrotado e derrubado, haverá um aprofundamento dos 4 traços que caracterizam a sociedade brasileira; a dependência, a desigualdade, a democracia restrita e o desenvolvimento conservador.

1.44. Na prática, seremos levados de volta aos anos 1920: o Brasil convertido em país periférico, uma economia de fazenda e mineração, a questão social convertida em caso de política, a política baseada na tutela militar.

1.45. Isto tudo, mais as medidas que visam impedir que a esquerda possa voltar ao governo federal, empurram o Brasil para uma situação política de profunda instabilidade e crise, econômica, social e política.

1.46. Em qualquer caso, estamos diante de uma alteração profunda nas condições que permitiram que a esquerda vencesse 4 eleições presidenciais seguidas e governar o país por 13 anos. Desde 2005, mais notadamente depois do segundo turno de 2014 e seguramente depois do triplo golpe ocorrido entre 2016 e 2018 (impeachment/prisão/eleição), houve uma alteração profunda nas condições estratégicas que nos permitiram vencer 4 eleições presidenciais seguidas e governar o país por 13 anos. Mudou a estratégia da classe dominante, mudaram as condições da luta de classes no Brasil. Neste ambiente, para derrotar a coalizão golpista, não basta uma tática que aproveite bem uma conjuntura favorável; é preciso combinar ação tática na conjuntura, com uma nova estratégia e outro nível de organização das classes trabalhadoras, da esquerda e particularmente do PT.

1.47. Isso inclui perceber que transformar o Brasil passa pela luta da classe trabalhadora contra a classe dos capitalistas, e nessa luta a classe trabalhadora deve usar as mais variadas ferramentas, como os sindicatos, os movimentos sociais, as entidades estudantis, a UNE, o MST, a CUT, a Frente Brasil Popular, com destaque para o Partido dos Trabalhadores. As disputas eleitorais e a ação de governos só contribuirão para mudar o Brasil, à medida que estejam articuladas com o processo de organização, conscientização e mobilização da classe trabalhadora.

1.48. Mudar a estratégia inclui perceber que transformar o Brasil só é possível superando a desigualdade e isso passa por derrotar o capital financeiro, os oligopólios, as transnacionais, o agronegócio, colocando a economia brasileira sob controle da classe que realmente produz as riquezas, a classe trabalhadora. Especialmente neste momento em que o capitalismo está em crise no mundo inteiro, o PT precisa afirmar em alto e bom som que somos um partido socialista, que o capitalismo precisa ser superado, que lutamos por uma sociedade sem exploração nem opressão, de nenhum tipo.

1.49. Mudar a estratégia inclui não fazer concessão alguma em nossa luta pelos direitos das mulheres, especialmente das mulheres trabalhadoras, que alias são maioria absoluta da população brasileira; pelos direitos dos negros e das negras, especialmente daqueles e daquelas que fazem parte da classe trabalhadora, lembrando que o Brasil é um dos países com maior número de afrodescendentes do mundo inteiro; pelos direitos das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, lembrando que o Brasil é um dos países onde mais crimes são cometidos contra esses setores da população; pelos direitos da juventude, num país em que grande parte da população tem menos de 30 anos, são filhos da classe trabalhadora, com dificuldade de estudar, trabalhar e viver com dignidade. A luta da classe trabalhadora brasileira bebe da teoria e da prática de todos os que lutaram por uma sociedade sem exploradores nem explorados, sem opressão nem dominação.

1.50. Mudar a estratégia inclui perceber que, no Brasil, a classe dominante sempre controlou o poder de Estado, raramente tendo perdido o controle dos governos e parlamentos. Num país em que a classe dominante tem um DNA golpista, a classe trabalhadora deve lutar pelo poder de Estado, não apenas pelo governo; e que esta luta pelo poder inclui várias formas de luta de massa, inclusive a eleitoral, mas que só será completa quando a maioria do povo brasileiro fizer uma grande revolução política e social. Lutamos por um Estado de novo tipo, incluindo aí meios de comunicação e forças armadas que sejam controlados pela maioria da população brasileira.

1.51. Ao lado da reorientação estratégica, é necessário precisar a tática frente aos primeiros movimentos do governo Bolsonaro.

A TÁTICA NA CONJUNTURA ATUAL

1.52. Ao longo dos primeiros meses de governo Bolsonaro, ficou claro existirem inúmeros conflitos no interior da coalizão golpista. Ficou claro, também, que sua base social e eleitoral pode ser abalada, tanto por estes conflitos, quanto principalmente pelos efeitos práticos da ação de governo, especialmente a crise e o desemprego. Ficou claro, finalmente, que existe uma possibilidade real da reforma da previdência não ser aprovada pelo Congresso Nacional. O que faria a crise política vai se agudizar ainda mais.

1.53. No debate acerca desta situação, manifestam-se diferentes opiniões no interior da esquerda e também no interior do Partido dos Trabalhadores.

1.54. Alguns setores pensam e agem como se nada de fundamental tivesse se modificado. A aceleração da disputa política, os conflitos na coalizão golpista e o desgaste do clã Bolsonaro, somados a mobilização popular, alimentam avaliações de que o governo estaria desmoronando. Tais avaliações confundem o presidente com o governo, subestimam a força da coalizão golpista, supõem que a extrema direita poderia ser derrotada rapidamente, exclusiva ou principalmente por vias eleitorais e institucionais.

1.55. Alguns chegam a converter os conflitos do lado de lá em argumento a favor da constituição de uma “ampla frente” para derrotar Bolsonaro, o que na prática implicaria em alianças com setores que apoiaram Bolsonaro (Rodrigo Maia, o PSDB de SP etc.), renovadas ilusões e até elogios aos militares (que seriam os “adultos na sala”, os “racionais” de um governo de “malucos”), esperanças que o empresariado se oponha ao ultra neoliberalismo, além de propostas que – se adotadas – nos fariam cerrar fileiras em defesa da “velha política”.

1.56. O otimismo analítico dos que falam em “desmoronamento” conduziria, portanto, a uma tática moderada de coalizão com setores do golpismo.

1.57. Além disso, as expectativas de reviravolta em curto prazo “justificam” a ausência de reflexão estratégica e, principalmente, conduzem a ausência de ações práticas no sentido de mudar o método de trabalho e atuação do movimento sindical, das organizações populares e partidos de esquerda.

1.58. A estratégia e os métodos eleitorais, governamentais, parlamentares, partidários, de organização e mobilização que predominaram até agora, não são adequados ou suficientes para contribuir para uma mudança na correlação de forças.

1.59. Até porque a tática adotada pelo governo Bolsonaro é ofensiva: atacar o movimento sindical, mobilizar contra a “velha política”, emitir sinais de que pode adotar novas medidas de exceção. Isso comprova que não estamos diante de um governo “normal”. Um de seus objetivos declarados é destruir seus inimigos. Não apenas derrotar.

1.60. Este governo pode sofrer muitas derrotas parciais e, inclusive, Bolsonaro pode não chegar ao final de seu mandato. Mas o exoesqueleto deste governo é composto por mais de 60 militares ocupando postos estratégicos no governo federal, inclusive a vice-presidência da República, que lá chegaram como parte de uma “frente ampla antidemocrática” apoiada pelo PIG, pelo partido do judiciário, pelo grande capital. Esta coalizão e este governo não serão derrotados do mesmo jeito que derrotamos os governos tucanos em 2002.

1.61. Há na esquerda setores que, analisando corretamente o caráter liberticida deste governo, propõe derrotá-lo através da constituição de uma ampla frente em defesa da democracia. Neste caso, o “realismo analítico” pode desembocar numa política de direita.

1.62. A única “frente democrática” capaz de derrotar este governo é aquela capaz de mobilizar o povo. E para isto não basta falar de “liberdades democráticas”. É preciso falar da defesa da soberania nacional e dos direitos sociais do povo brasileiro. Motivo pelo qual não faz sentido construir uma “frente” com os setores supostamente moderados do golpismo, mas que compartilham do programa ultra neoliberal.

1.63. O caminho para derrotar este governo é o mesmo que teve sucesso, contra a ditadura militar, no final dos anos 1970: a luta de massas. Por isso, mais do que nunca, política e organização são inseparáveis. Radicalizar a retórica, mas manter o estilo parlamentar e institucional de funcionamento e trabalho, não passa de bravata.

1.64. O governo Bolsonaro não cairá sozinho, nem será substituído por algo melhor, se não houver luta. Sendo assim, nossa tarefa é concentrar todos os esforços:

  • 1.64.1. denunciar os ataques contra as classes trabalhadoras, que penalizam principalmente quem está desempregado e aposentado, as mulheres, os negros e negras, os moradores das periferias. Em particular, lutar para derrotar a reforma da Previdência. Não há absolutamente nada a negociar: o projeto apresentado pelo governo deve ser enterrado pela mais ampla, radical e dura mobilização social;
  • 1.64.2. defender as organizações da classe trabalhadora e lutar por Lula Livre, pois enquanto Lula estiver sequestrado, enquanto sua pena não for anulada, é porque continuamos num estado de exceção;
  • 1.64.3. enfrentar o “pacote de insegurança” apresentado por Sérgio Moro. Como no caso da Previdência, não há nada a negociar: o projeto apresentado pelo juiz de exceção deve ser derrotado. E o caminho para isto começa numa detalhada denúncia de sua perversidade medieval;
  • 1.64.4. mobilizar em defesa da paz e em solidariedade ao governo venezuelano. Uma guerra na América do Sul terá consequências trágicas e não apenas para as vítimas diretas da agressão dos Estados Unidos.

A LUTA CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

1.65. Caso aprovada, a PEC 006/2019 afetará os servidores públicos, federais, estaduais e municipais; afetará os trabalhadores da iniciativa privada, tanto urbanos quanto rurais; afetará os produtores da agricultura familiar; afetará aqueles que trabalham em atividades insalubres; as pessoas com deficiência; os professores da educação básica; os policiais militares e os bombeiros militares; os agentes penitenciários; as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada; os que já são aposentados e pensionistas; e aqueles que vão entrar no mercado de trabalho.

1.66. O único setor que a PEC 006/2019 não atinge são os militares. Estes foram objeto de outro Projeto, que amplia as distorções na previdência entre civis e militares, além de ampliar as distorções entre os próprios militares.

1.67. As medidas propostas pela PEC 006/2019 farão com que os brasileiros e brasileiras se aposentem mais tarde; contribuam por mais tempo; recolham contribuições maiores; recebam benefícios menores; não tenham garantia de correção automática dos valores recebidos. As mulheres serão as maiores prejudicadas pelas mudanças propostas.

1.68. As duas principais mudanças propostas pela PEC 006/2019, entretanto, dizem respeito ao modelo de aposentadoria. No Brasil, a aposentadoria é tema constitucional; a PEC propõe tirar o assunto da Constituição. Hoje, a aposentadora pública é baseada no principal da universalidade e da solidariedade inter-geracional. Todos os trabalhadores que estão na ativa contribuem para pagar as aposentadorias dos que já deixaram o mercado de trabalho. A proposta da PEC 006/2019 quer introduzir o modelo de capitalização: cada trabalhador contribuirá numa conta privada, para garantir a sua própria aposentadoria.

1.69. Sai a solidariedade e entra o princípio individual, de cada um por si.

1.70. Onde foi adotado, o regime de capitalização permitiu grandes negócios para o setor financeiro; mas jogou a maioria dos aposentados numa situação de velhice miserável.

1.71. O governo Bolsonaro defende que a reforma deve ser feita, porque a população está envelhecendo e o déficit tornaria a previdência insustentável. Este tipo de argumento vem sendo utilizado desde o dia seguinte à aprovação da Constituição de 1988. Mas há inúmeros estudos demonstrando que o chamado déficit da previdência é uma falácia contábil. Além disso, a experiência recente demonstrou o impacto positivo, sobre o financiamento da previdência, que resultam da geração de empregos formalizados e da cobrança das empresas criminosamente inadimplentes.

1.72. Quanto ao argumento do envelhecimento, ele desconsidera totalmente o aumento da produtividade do trabalho. Vivemos mais do que antes, mas também somos mais produtivos do que antes. Portanto, a discussão sobre a idade mínima para a aposentadoria não precisa ser feita desta forma.

1.73. Tanto nas oposições, quanto na base do governo, a reforma proposta por Bolsonaro não foi bem aceita. Claro que convicções podem mudar, especialmente se os bancos resolverem participar ativamente do convencimento de certos parlamentares. Claro, também, que a reforma pode parecer pior ou melhor, a depender do número de pessoas que participe das mobilizações contra a reforma. Destaca-se o 1º de Maio unificado, convocado por todas as centrais sindicais. E a possibilidade de uma paralisação, inclusive de uma greve geral.

1.74. Paradoxalmente, a expectativa de que o governo pode ser derrotado alimenta, em alguns setores, a ideia de que na luta contra a reforma proposta por Bolsonaro, a melhor tática seria apresentar uma proposta alternativa.

1.75. Os que defendem isto desconsideram ou minimizam três questões. A primeira questão: para a reforma ser derrotada, é preciso que a maioria da população tome conhecimento da proposta. É mais fácil fazer isso, como fizemos no caso da reforma proposta por Temer, apresentando o conjunto da reforma como negativa. A segunda questão: a reforma é mesmo globalmente negativa. Não há nada de aproveitável. E, diferente das feitas anteriormente, esta introduz a desconstitucionalização e a capitalização. Terceira questão: no Parlamento, a tática para derrotar é uma, a tática para negociar é outra. Adotada a tática de negociar, as bancadas de oposição teriam que abrir mão de diversos instrumentos. Por exemplo: a obstrução das sessões. E o resultado mais provável, a preços de hoje, não seria o mal menor, mas o mal maior.

1.76. Por conta disso, o PT e a maior parte da oposição adotaram a tática de derrotar globalmente a proposta. Não há o que negociar. Claro, no mundo dos ideais, gostaríamos não apenas de evitar o mal maior, gostaríamos inclusive de fazer uma reforma que ampliasse direitos. Mas há momentos em que o realismo político precisa se impor: frente a um governo de extrema-direita, diante de um Congresso como o atual, e diante da incerteza quanto à nossa capacidade de mobilização, a pressão sobre os parlamentares precisa ser a mais clara e direta possível: quem votar a favor da reforma, não voltará para o Congresso .

A LUTA PELA LIBERDADE DE LULA

1.77. A luta pela liberdade de Lula não é consenso entre as forças de esquerda, democratas e progressistas no Brasil. Mesmo dentro do PT, há setores que não sabem, não entendem ou não querem perceber o papel central desta luta, no atual contexto histórico. O que quer dizer que não percebem o papel central que jogou a chamada Operação Lava Jato, tanto no golpe quanto na eleição de Bolsonaro. Há setores e lideranças do Partido que afirmavam, ainda em 2018, que a Operação Lava Jato teria aspectos positivos.

1.78. Também há os que acreditam que Lula teria mesmo cometido ou deixado cometer alguns malfeitos; portanto, o problema estaria no caráter seletivo da punição ou no exagero da pena. Um caso extremo desta posição é o de Ciro Gomes.

1.79. Nossas posições a respeito são as seguintes:

  • 1.79.1. Reafirmamos tudo o que sempre dissemos acerca das causas da corrupção, acerca da importância da luta contra a corrupção no Brasil, acerca da necessidade do PT ser implacável contra filiados que tenham praticados atos de corrupção;
  • 1.79.2. Reafirmamos as críticas à tática adotada frente a farsa político-midiática chamada “mensalão” e contra a AP 470;
  • 1.79.3 Reafirmamos que a história poderia ter sido outra se o PT tivesse modificado sua estratégia desde 2005, se tivesse enfrentado o monopólio da mídia, se não tivesse mantido ilusões acerca do papel do empresariado, da mídia, do judiciário, dos partidos de centro e direita, das forças armadas;
  • 1.79.4. Reafirmamos que as alianças com inimigos, o republicanismo, a ilusão no caráter neutro do “Estado de direito” e a prioridade para o “petismo jurídico” em detrimento da luta política contribuíram em alguma medida para o golpe de 2016, para a prisão de Lula, para a derrota de 2018;
  • 1.79.5. Reafirmamos que Lula foi preso para impedir que concorresse às eleições de 2018, para impedir que fizesse campanha nas eleições de 2018 e, principalmente, para facilitar a operação de cerco e aniquilamento que um setor da direita pretende implementar contra a esquerda em geral, mas contra o PT em particular;
  • 1.79.6. Reafirmamos que Lula não foi preso porque seria culpado, Lula não foi preso porque teria cometido crimes, Lula não foi preso por ter sido submetido a um julgamento justo. A narrativa da direita apresenta o PT como uma quadrilha e Lula como seu chefe. Mas Lula é, na verdade, um preso político. Os que divergem de Lula, inclusive no que diz respeito às relações mantidas com o empresariado em geral e com empresários em particular, têm todo o direito de fazê-lo.

1.80. Não lutamos apenas pela liberdade de Lula. Lutamos pela anulação de sua pena. Para a direita, condenar seguidas vezes Lula, restringir seus direitos (como dar entrevista, votar, ir ao funeral do irmão) e mantê-lo preso “até apodrecer” é parte importante da operação para alinhar o Brasil aos EUA, ampliar a exploração e restringir as liberdades da classe trabalhadora. Para a esquerda, lutar por anular a pena e libertar Lula é parte importante da luta por derrotar o governo de extrema direita e suas políticas.

1.81. Quem se cala, quem relativiza, quem não se mobiliza a favor da campanha Lula Livre, contribui por ação ou omissão com os propósitos da coalizão que deu o golpe de 2016 e venceu as eleições de 2018.

1.82. A luta pela libertação de Lula, assim como pela anulação de sua pena, é inseparável das demais lutas do povo brasileiro, como a defesa da previdência, das liberdades democráticas e dos direitos sociais, da soberania nacional, da paz e da Venezuela. A luta por Lula livre só terá êxito através da mobilização de massa, não havendo motivo algum para acreditar em conchavos com a direita, nem tampouco em decisões judiciais favoráveis.

A LUTA CONTRA O PACOTE ANTICRIME

1.83. O pacote anticrime proposto pelo ministro Sérgio Moro faz parte de um conjunto de medidas que visam instalar no Brasil um estado de exceção.

1.84. O estado de exceção é necessário, não apenas para impedir que a esquerda possa derrotar o governo Bolsonaro, mas também para conter as consequências sociais do programa que o governo está implementando. Trata-se de legalizar que a questão social passa a ser um caso de polícia, como nos anos 1920.

1.85. Neste sentido, trabalhamos para explicar e denunciar o pacote; para demonstrar para a sociedade brasileira que a Operação Lavajato e o ministro Moro são criminosos, traidores da pátria e da Constituição; e para derrotar, nas ruas e no Congresso, o referido projeto.

EM DEFESA DA VENEZUELA

1.86. Há duas posições fundamentais acerca da situação venezuelana. Por um lado, os que consideram que Nicolas Maduro é um ditador, que apoiam o autoproclamado presidente Guaidó, que parabenizam os ataques feitos e prometidos pelo governo dos Estados Unidos e seus aliados. Por outro lado, os que consideram que Nicolas Maduro é legítima e democraticamente o presidente da Venezuela, que Guaidó é instrumento de um golpe de Estado, que os Estados Unidos e seus aliados têm como objetivo central controlar uma das maiores reservas petrolíferas do mundo.

1.87. A posição da ampla maioria do PT e das organizações democráticas, populares e de esquerda brasileiras é apoiar o povo e o governo da República Bolivariana da Venezuela, contra a agressão combinada do imperialismo e da oligarquia venezuelana.

1.88. Nosso apoio à Venezuela deve ser ativo: trata-se de difundir as razões da Venezuela, desmascarar os pretextos do imperialismo e das oligarquias, organizar manifestações em todo o Brasil e enviar delegações solidárias à Venezuela.

1.89. Nosso apoio inclui e supõe, também, polemizar com aqueles setores que — a pretexto de diferenças que mantém com as posições do PSUV e do chamado chavismo — adotam posições de solidariedade condicional à Venezuela. Os que sinceramente defendem mudanças na política do chavismo, precisam antes de mais nada cerrar fileiras para defender a sobrevivência da República Bolivariana da Venezuela. Pois se o imperialismo e a oligarquia vencerem, não haverá correção de rumo possível.

1.90. Defender a Venezuela do imperialismo é defender a soberania do Brasil e a integração da América Latina. Defender a legitimidade do governo Nicolás Maduro contra a oligarquia, é defender as liberdades democráticas contra o golpismo.

Direção Nacional da AE – 17 de abril de 2019

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