Rui Pimenta e Borba Gato

Por Valter Pomar (*)

“Defumação” da estátua de Borba Gato e Rui Pimenta

O Partido da Causa Operária é um fenômeno assaz curioso.

Os mais antigos lembram da relação tumultuada da Causa Operária com o Partido dos Trabalhadores, quando a Causa tentava atuar como uma tendência do PT.

Quem quiser saber mais a respeito desta época, pode ler aqui:

https://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/40121/20910/

Depois de não ser reconhecida como tendência interna do PT, a Causa Operária lutou por transformar-se em Partido, conseguindo registro no TSE em 1997.

Deste então, muita água passou por debaixo da ponte.

Quem faz parte da tradição trotskista ou acompanha suas polêmicas, sabe que o PCO sempre foi objeto de muita controvérsia.

Sugiro a quem quiser saber mais a respeito do PCO e da tradição “nacional trostkista” ler Osvaldo Coggiola e Valério Arcary.

Parte da controvérsia envolvendo o PCO lembra o MR8 quercista e as estridentes posições adotadas pelo jornal Hora do Povo.

Um exemplo das posições estridentes (e profundamente equivocadas) do PCO pode ser visto aqui:

https://www.causaoperaria.org.br/o-partido-da-imprensa-golpista-contra-neymar-e-a-selecao/

Outro exemplo é a defesa que Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, fez do papel histórico dos bandeirantes.

Esta defesa aconteceu no dia 27 de julho, em uma live do Brasil 247, plataforma a partir da qual Rui Costa Pimenta divulga cotidianamente sua “análise política”.

Quem quiser assistir a íntegra, pode ver aqui:

https://www.brasil247.com/brasil/bandeirantes-foram-instrumento-do-progresso-nacional-diz-rui-costa-pimenta

Segundo Pimenta, defumar Borba Gato foi algo “sem pé, nem cabeça. Tem que lutar contra a opressão que existe no mundo hoje. Porque você vai atacar um cidadão que morreu em 1718?”

Pimenta é um cara curioso. Ele acha normal elogiar Júlio César, que morreu em 15 de março de 44 “antes de Cristo”, mas acha “sem pé, nem cabeça” atacar um bandeirante “que morreu em 1718”.

O caso é que “a opressão que existe no mundo hoje” inclui variáveis econômicas, políticas, militares e… culturais.

Convencer as pessoas que o Brasil foi “descoberto”, exaltar o papel “progressista” dos bandeirantes e estimular o patriotismo paulista contribui na opressão.

O problema é que Pimenta tem uma tese.

A tese dele no dia 27 de julho era a seguinte: “os grupos identitários que promoveram isso aí, com toda a segurança do mundo, não foi nenhum grupo periférico, não foram jovens da periferia irados, é uma política que vem da universidade, uma política de intelectuais pequeno burgueses… Revolução periférica foi para dar um ar popular para a coisa… Golpe de marketing”.

“Com toda a segurança do mundo” hoje podemos dizer que as afirmações feitas por Pimenta no dia 27 de julho estavam erradas.

O “identitarismo” existe e, na minha opinião, pode e deve ser criticado.

Mas a crítica de Pimenta é equivocada, pois conduz a tratar e atacar como sendo “identitária” toda e qualquer luta contra a opressão sobre negros e negras, sobre indígenas, sobre as mulheres, sobre os LGBT+.

Evidentemente, defumar Borba Gato foi uma operação que pode e deve ser analisada e criticada politicamente.

Podemos concordar ou não com o que foi feito, podemos achar que foi feita no dia certo ou não, da forma certa ou não.

Mas Pimenta, igual a Aldo Rebelo, Renato Rovai e Gilberto Maringoni, vai além da análise política e embarca numa digressão histórica.

Segundo Pimenta: “Criaram um mito, um judas de malhação, os bandeirantes. Não sei por que direito eles selecionaram os bandeirantes, que teriam sido os vilões da história do Brasil, os menos vilões são esses aí”.

Pimenta pode achar a resposta em… Pimenta.

Afinal, o “porquê” aparece quando o próprio Pimenta deixa escapar a seguinte frase: “Eu sou paulista e paulistano, aqui em SP o bandeirantismo é o símbolo do estado de São Paulo”.

Este é o porquê: a classe dominante criou um mito e as classes dominadas precisam enfrentar este mito.

Pimenta não entende o porquê disto, pelo simples fato de que “ele é paulista e paulistano e aqui em SP o bandeirantismo é o símbolo do estado”.

O entusiasmo de Pimenta fica claro na sequência de sua argumentação: “Napoleão é uma pessoa crucial na história da humanidade … foi um fator de progresso”. E o que foram os bandeirantes, também segundo Pimenta? Um fator de progresso!

O chouvinismo é mesmo uma praga, embora as vezes soe meio ridículo, como me parece ser o caso de quem discute Borba Gato à luz de Bonaparte.

Mas como a história real é muito cruel, Pimenta tem que se refugiar no seguinte raciocínio: “Os bandeirantes são figuras contraditórias…. Não se sabe muito bem o que os bandeirantes fizeram ou foram…. Precisaria de uma pesquisa maior”.

Claro que tudo merece uma pesquisa maior.

Mas qualquer um que conheça a história – por exemplo do Quilombo de Palmares – sabe o que foram e o que fizeram os bandeirantes.

Como diz Pimenta, “a construção da nação também é luta de classes, tudo é luta de classes”.

E ao contar a história, também assumimos um lado.

De que lado Pimenta está? De Palmares ou dos bandeirantes?

Pimenta afirma que “a construção da nação brasileira, um país deste tamanho, é em certo sentido produto da luta de classes, é um progresso que foi alcançado apesar de toda pressão contrária… Para o colonialismo, para o imperialismo, o ideal é que as nações oprimidas sejam pequenas e fracas… O Brasil é um país grande e isso é um progresso muito grande… A obra dos bandeirantes e eles não tinham consciência disso, a expansão foi um progresso muito grande, eles foram instrumentos do progresso econômico nacional, abriram caminho para a construção do Brasil, sem o Brasil a América Latina seria muito mais oprimida do que é hoje, o Brasil é um estorvo para a dominação política, como a China, como a Índia”.

Como se vê, na hora de criticar os bandeirantes, Pimenta diz que falta pesquisa histórica.

Mas na hora de defender os bandeirantes, lança mão dos lugares comuns ensinados pela elite de São Paulo: “os bandeirantes foram instrumentos do progresso” e o progresso consiste em ser “grande”.

Big is beautiful!

Minúsculos out!!

Esta maneira de compreender o passado e a geopolítica mistura várias coisas.

Vou falar de uma.

O fato de que o “progresso” -até o momento – ser em grande parte resultado de sangue, de lama, de suor e de sofrimento, inclusive de exploração e de opressão não pode nos conduzir a aplaudir e apoiar e ficar do lado dos que oprimiram e exploraram as classes e povos dominados do passado.

Os bandeirantes foram instrumentos de um determinado tipo de “progresso”, não do único progresso possível, nem do melhor progresso do mundo; e a exaltação contemporânea dos bandeirantes também está à serviço de um determinado tipo de “progresso”.

Quem não consegue enxergar isso é porque se deixou engolir pelo objetivismo (ou, mais simplesmente, pela cultura non ducor duco da burguesia paulista).

Pimenta diz que a “maior parte da população é indiferente a estas coisas… A cultura oficial indispõe o povo… Você vê a louvação dos governos, a escola indispõe as pessoas com a cultura nacional, porque tudo é apresentado de uma maneira muito ruim, muito separada da cultura da população… E nós temos uma cultura de uma parte da esquerda que é de procurar mostrar que tudo que aconteceu no Brasil é a pior coisa do mundo… seria melhor não existir o país”.

O “bandeirantismo” – o progresso como resultado da violência e da predação por parte das elites, assim como a cultura de que São Paulo seria superior ao restante do país – são muito influentes na cultura popular paulistana.

Não é por acaso que desde 1982 a esquerda nunca conseguiu ter maioria na eleição para o governo do estado.

Uma parte do povo percebe que esta cultura bandeirante está à serviço das elites.

E isso acontece apesar de uma “parte da esquerda” e a classe dominante serem cúmplices na exaltação dos valores dominantes, como ficou explícito neste episódio da defumação de Borba Gato.

Curiosamente, Pimenta atribui a “uma parte da esquerda” uma atitude enraizada na classe dominante: afinal, vamos combinar, quem não gosta do nosso povo é quem gosta de viver em Miami, quem acha que precisamos de tutela militar.

E quem pensa assim aplaude os bandeirantes do passado e a polícia militarizada do presente, afinal “contra a negrada, contra os bugres, contra os selvagens”, só com cuspe, porrada e bala.

Mostrando como as pessoas são complexas, Pimenta faz um ataque o pacifismo, mas ao mesmo tempo aplaude o bandeirantismo.

De certa forma, comete o mesmo equívoco de Rovai, ao equiparar a defumação de Borba Gato com os ataques a Paulo Freire.

O equívoco de Pimenta é: em nome de defender o direito à violência por parte dos oprimidos, passa o pano na violência cometida no passado pelos opressores.

E tudo isto em nome de combater… o imperialismo!

Segundo Pimenta, “grupos identitários são uma organização politica concreta que atua no país, são instrumentos do imperialismo, é uma política fomentada e financiada pelo imperialismo”.

E como – também segundo Pimenta – o imperialismo não gosta de nações grandes, como o Brasil é uma nação grande, como os bandeirantes contribuíram para construir uma nação grande, logo… criticar os bandeirantes seria estar à serviço do imperialismo.

Há passagens interessantes na live de Pimenta, destacadamente sua crítica a Polícia Militar.

Mas não faz o menor sentido criticar a PM e defender o papel progressista dos que deram nome à famigerada Operação Bandeirantes.

A turma da Oban entendia de história prática.

E sabia muito bem de que lado Borba Gato está na “verdadeira luta de classes” de que fala Pimenta.

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

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