Resolução sobre conjuntura | Articulação de Esquerda (PT)

O texto a seguir é a resolução aprovada pela Direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda no dia 30 de janeiro de 2022.

1.Os acontecimentos de janeiro confirmam que o ano de 2022 será marcado pela instabilidade no plano mundial, continental e nacional.

2.Um dos múltiplos sinais disto é o fato de 2022 ter começado com mais uma onda da pandemia de covid-19, agora agravada pela variante Ômicron e a circulação do vírus da influenza.

3.No caso do Brasil, o sistema público de saúde tem sido ainda mais pressionado e a média de mortes voltou ao patamar de 300 óbitos diários. A situação é agravada pela ação criminosa do governo Bolsonaro, que segue atacando as medidas de vacinação e de proteção sanitária. Nesse cenário, ganha ainda mais importância a pressão e a mobilização pelo fim do governo Bolsonaro e de suas políticas o mais rápido possível.

4.A pandemia se abateu sobre um mundo ainda marcado pela crise de 2008 e suas consequências sociais, econômicas, ambientais, políticas, culturais, militares e geopolíticas. Apesar disso, há quem acredite ser possível superar a instabilidade sem tocar nas causas da crise: o capitalismo realmente existente.

5.Também contribuem para a instabilidade mundial as ações – internas e externas – do imperialismo estadounidense visando deter e reverter seu declínio.

6.No plano interno, até o momento não tiveram êxito as supostas mas muito propagandeadas intenções “rooseveltianas” do governo Biden. A tibieza do presidente, a postura da “direita” do partido Democrata e a decidida oposição do partido Republicano fizeram murchar a “revolução” tuitada por alguns.

7.No plano externo, a retirada do Afeganistão foi um desastre político e diplomático; a pressão da Otan sobre a Rússia não está tendo os desdobramentos esperados pelo governo Democrata; as provocações contra a China, especialmente em Taiwan, não parecem direcionadas ao êxito; e as relações dos EUA com a Europa e com a América Latina não se alteraram para melhor.

8.Entretanto, não se deve subestimar os Estados Unidos, em nenhum terreno. Mas é preciso perceber que sua força deriva cada vez mais: i/do “privilégio exorbitante” resultante do dólar ser, ao mesmo tempo, moeda nacional e principal moeda internacional; ii/da capacidade militar, ainda que com limitações táticas e estratégicas crescentes.

9.Seja por razões estruturais (o peso do setor militar na economia dos EUA), seja por razões de outro tipo (heranças de governos anteriores, interesses eleitorais etc.), os governos estadounidenseses estão cada vez mais viciados em lançar mão de ações militares como meio de, supostamente, tentar deter e reverter seu declínio.

10.Essa conduta belicista contamina todo o cenário mundial, alimenta direta ou indiretamente movimentos de extrema direita e pode ter consequências catastróficas, apesar dos esforços de China e Rússia no sentido contrário.

11.Por tudo isto, independente de como evolua o conflito na Ucrânia, a esquerda brasileira deve seguir acompanhando com atenção a situação mundial, deve fortalecer a dimensão partidária de sua política internacional e deve – retomando o governo federal – implementar uma política externa comprometida com a construção de outra ordem mundial, o que inclui superar a hegemonia do dólar nas transações mundiais.

12.Nesta luta por uma nova ordem mundial, temos um inimigo principal (o imperialismo dos EUA) e temos potenciais aliados (os governos da China, da Rússia, povos e muitos governos da América Latina e Caribenha, povos e vários governos progressistas da África, Ásia e Oriente Médio). Os imperialismos europeu e japonês, embora não sejam nosso inimigo principal, não são nossos aliados.

13.No continente americano também vivemos uma imensa instabilidade, originada mais uma vez dos Estados Unidos e de seus aliados em cada país da região.

14.Nesses tempos em que muitos defendem “virar a página do golpe”, é importante relembrar: foi o governo Obama presidente/Biden vice quem capitaneou a operação conjunta imperalismo-oliguarquias locais visando sabotar, derrotar e derrubar os governos progressistas e de esquerda existentes na América Latina. Durante cerca de dez anos, esta operação conjunta imperialismo-oligarquias teve grande êxito. Mas desde 2018 vem ocorrendo uma reversão – com a exceção, por ahora, de El Salvador, Uruguai e Equador – e com a importante novidade de termos um governo progressista no México, com a possibilidade de elegermos um governo progressista na Colômbia e com a perspectiva de retomarmos o governo do Brasil.

15.Entretanto, os governos progressistas e de esquerda deste ciclo iniciado em 2018, com a eleição de Andrez Manoel Lopez Obrador, não atuam no mesmo cenário do ciclo iniciado em 1998, com a eleição de Hugo Chávez. Tanto internamente, quanto no plano continental e mundial, a situação é muito diferente e sob vários aspectos pior.

16.Os setores moderados da esquerda extraem desta constatação a conclusão de que devemos andar devagar; nós extraímos a conclusão oposta: a de que é preciso sermos mais velozes e mais radicais na superação do neoliberalismo e no enfrentamento do imperialismo. Este é o pano de fundo do debate sobre o programa, a chapa, as alianças e a tática da campanha presidencial no Brasil.

17.De nossa parte, reiteramos a necessidade de um programa capaz de enfrentar o capital financeiro, o setor primário-exportador (agronegócio e mineração) e o imperialismo.

18.Nesse espírito, estimulamos o debate das propostas divulgadas pelo MANIFESTO PETISTA, tanto as propostas emergenciais para superar o desemprego, a inflação, a fome, a carestia, a miséria; o apagão na saúde; os retrocessos na educação e na cultura; a falta de perspectivas para a juventude; quanto as propostas de natureza estrutural, de médio e longo prazo, capazes de garantir a soberania, o bem-estar, a liberdade e um desenvolvimento de novo tipo para nosso país. A seguir, tais propostas com alguns acréscimos de nossa responsabilidade:

i/decretar situação de emergência em âmbito nacional, para que o novo governo tenha os meios legais necessários para enfrentar o caos herdado do governo anterior, em particular no enfrentamento das necessidades mais imediatas: o alimento, a moradia, a saúde, o transporte, o emprego;

ii/corrigir imediatamente o orçamento herdado do governo anterior, ampliando a dotação vinculada às áreas sociais e ao desenvolvimento econômico, inclusive recuperando a capacidade de investimento do BNDES, do BB e da CEF, bem como das empresas estatais;

iii/tomar as medidas necessárias para cobrar imposto emergencial sobre grandes fortunas, lucros e dividendos, para contribuir no financiamento das medidas de reconstrução e transformação nacional, especialmente para dobrar ao longo do primeiro biênio de governo as receitas do SUS (hoje de aproximadamente 4% do PIB ou 4,00 per capita). Ao mesmo tempo, apoiar as propostas de reforma tributária já apresentadas pelos partidos de esquerda;

iv/fazer a retomada imediata do Bolsa Família e retomada igualmente imediata do programa Mais Médicos, mas em ambos casos com aprimoramentos significativos. Convocação de concursos públicos emergenciais para recompor o quadro de servidores públicos federais;

v/revogar o “teto de gastos” (através de emenda constitucional), bem como revogar a reforma previdenciária, a reforma trabalhista e a autonomia do Banco Central. Nos casos de alteração constitucional, lançar mão de referendo revogatório;

vi/como parte da defesa da economia popular e do combate à inflação, fazer aprovar uma lei de reajuste do salário mínimo, garantindo ganho real capaz de recuperar o poder de compra afetado pela carestia; promover a ampliação imediata dos recursos disponíveis para agricultura familiar, principal fonte de alimentos saudáveis e baratos; pelos mesmos motivos, ampliação dos recursos para aquicultura familiar e pesca artesanal ; reduzir os preços da energia elétrica, do gás de cozinha, da gasolina e demais combustíveis, pondo fim ao atual sistema subordinado à oscilação dos preços internacionais;

vii/iniciar ainda em 2023 um plano de reconstrução da infraestrutura nacional (através de obras públicas nas estradas, hidrovias, ferrovias, fontes de energia, prédios e vias públicas, habitação popular), de reconstrução da Petrobrás como empresa de desenvolvimento nacional, com plena retomada do sistema de partilha para exploração do pré-sal e das medidas dinamizadoras da construção civil e da industrial naval, incluindo a anulação das criminosas vendas dos ativos da empresa: o petróleo deve ser nosso, como também a Eletrobrás, os Correios e a Vale;

viii/interromper a destruição do meio ambiente, com moratória imediata da expansão do agronegócio na Amazônia, retomada da demarcação das áreas indígenas e das comunidades quilombolas;

ix/promover a reconstrução do Ministério da Cultura, relançar a Empresa Brasileira de Comunicação e retomar os projetos de expansão do setor público de educação;

x/retomar as políticas em defesa dos direitos das mulheres, dos negros e negras, da juventude, da comunidade LGBT+, das pessoas com deficiência, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas;

xi/instituir medidas em defesa do direito à memória e à verdade do povo brasileiro, com responsabilização dos agentes envolvidos em desrespeitos aos direitos, liberdades e vida do povo desde o golpe de 2016. Entre as medidas destaca-se, emergencialmente, a declaração oficial do novo chefe de Estado e de Governo sobre o conjunto de ataques aos direitos, liberdades e vida do povo brasileiro desde o golpe de 2016 até o governo Bolsonaro. Paralelamente à difusão nacional da declaração oficial do Estado brasileiro, que sejam  instaladas Comissões da Verdade nos Estados brasileiros, sob coordenação do governo federal, para apuração/sistematização  detalhada localmente. Outras medidas cabíveis: a)punição imediata dos responsáveis no que estiver sob alcance do Executivo; b) abertura de procedimentos administrativos e judiciais contra todos que tenham atentado contra os direitos humanos durante a administração anterior, especialmente os relacionados ao genocídio causado por políticas negacionistas frente à pandemia; c)devolução imediata às Forças Armadas de todos os militares nomeados para cargos de natureza civil; d)transferência para a reserva de todos os comandantes nomeados no mesmo período; e) apresentar PEC para revogar o artigo 142 da Constituição; f)apresentar PEC para  desmilitarizar a segurança pública, com o objetivo de deter a escalada de violência contra as populações pobres, periféricas e negras, combinado com medidas para dar fim à denominada “guerra às drogas”

xii/retomar a política externa altiva e ativa, com prioridade para a integração regional latino-americana e caribenha, para as relações com o continente africano, com o Oriente Médio e com os BRICS;

xiii/tomando como referência a resolução do 6º Congresso do PT, abrir o debate com a sociedade brasileira acerca da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

12.Consideramos que o debate programático é fundamental. Primeiro, para lembrar que nossa alternativa não consiste em tirar uma pessoa e colocar outra pessoa na presidência. Nossa alternativa consiste em mudar o programa que hoje é implementado por Bolsonaro e no passado recente foi implementado por Temer, FHC, Itamar e Collor. Segundo, para convocar o povo brasileiro para as batalhas que virão depois da eleição. Terceiro, para explicar por quais motivos não podemos ter um vice golpista e neoliberal. Nos opomos à proposta de indicar um vice golpista e neoliberal como Alckmin. Defendemos no primeiro turno alianças em torno do programa. E defendemos uma tática de mobilização de massas, não apenas para vencer as eleições, mas também para sustentar um governo disposto a fazer mudanças profundas e urgentes.

13.O Brasil está diante de uma encruzilhada histórica. Os neoliberais de Collor, os tucanos de FHC, o MDB de Temer e os bolsonaristas destruíram grande parte das empresas, instituições e politicas que permitiram ao país, ao longo de 50 anos, sair da condição de fazenda primário-exportadora e converter-se em uma potência industrial.

14.Décadas serão necessárias para reconstruir o que foi destruído. Acontece que para a classe capitalista não interessa nem mesmo “reconstruir”: os grandes capitalistas e seus porta-vozes, inclusive Alckmin – estão totalmente comprometidos com o programa neoliberal. Por outro lado, para a classe trabalhadora não basta “reconstruir”: precisamos construir outro tipo de instituições e outro tipo de desenvolvimento, vinculado à ampliação da igualdade, das liberdades, da soberania e da integração regional.

15.Para dar conta desta tarefa história, precisamos de líderes, mas acima de tudo precisamos de organizações coletivas: uma classe trabalhadora consciente, mobilizada e organizada, com sindicatos, movimentos e partidos, entre os quais se destaca – pelo que  fez e pelo que representa – o Partido dos Trabalhadores.

16.Também por isso nos opomos frontalmente a proposta de uma federação com o PSB. No dia 16 de dezembro, o Diretório Nacional do PT aceitou discutir o tema, mas sob condução da executiva nacional do Partido. Entretanto, a CEN não se reuniu uma  única vez desde então. As reuniões com o PSB e outros partidos ocorreram sem debate prévio nas instâncias partidárias. Não houve sequer um mísero informe, ao Diretório e a Executiva, acerca do que foi debatido.

17.A resolução do TSE sobre o funcionamento da federação contém claúsulas que confirmam as preocupações dos que se opõem a firmar um acordo por 4 anos, com efeitos no plano nacional, nos estados e nos municípios, com um partido como o PSB, que apoiou Aécio Neves em 2014, votou a favor do golpe em 2016, não esteve oficialmente conosco no primeiro turno de 2018 e cuja bancada atual contém um grande número de parlamentares que votam sistematicamente contra os interesses populares.

18.O PT não é e nunca foi refratário a fazer alianças com outras forças políticas. Mas não está disposto a sacrificar sua autonomia e independência, compondo por 4 anos uma federação partidária, com programa, estatutos e direção definidas às pressas.

19.Não se trata apenas de um tema eleitoral; trata-se da natureza e do papel do próprio PT. Também por isso, seguiremos denunciando e lutando contra os que buscam converter o PT em um partido tradicional, com finanças totalmente dependentes do fundo público, dirigido por parlamentares e governantes, onde a militância é tratada como eleitorado. Os diversos casos de infidelidade partidária cometidos em 2020, sobre os quais as instâncias respectivas procrastinam, e o escandaloso voto de um senador do Partido a favor do “orçamento secreto” constituem exemplos de uma degeneração que, se não for detida, ameaça a sobrevivência do Partido.

20.Nesse mesmo espírito exigimos consulta às bases. Uma decisão transcendental como a federação – bem como a decisão sobre a vice – não podem ser tomadas apenas pelo Diretório Nacional do partido. Um congresso partidário precisa ser realizado.

21.Em 2022 vamos comemorar 200 anos de luta democrática e popular pela independência. Hoje, mais do que nunca, fica evidente que para um país como o nosso, a soberania, a democracia e o bem estar-social estão totalmente vinculados a construção de uma nova ordem social, econômica, política e cultural. Uma ordem em que a classe trabalhadora seja dona do país que constrói com seu esforço diário. Uma ordem socialista.

Viva o PT!

Fora Bolsonaro e todos os neoliberais!

Lula presidente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *