Resolução sobre a situação política – direção nacional da AE

Página 13 divulga resolução da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda 

Resolução sobre a situação política

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, em sua reunião de 15 de setembro de 2019, debateu a situação política e aprovou a seguinte resolução:

1.A conjuntura internacional segue tensa. Há dois fatores fundamentais de tensão. Por um lado, a situação econômica: crescem os sinais de que pode ocorrer algo de gravidade similar aos fatos de 2008. Por outro lado, a tensão político-militar: no momento em que debatemos a situação, o foco estava nas relações entre EUA, Arabia Saudita e Irã. O pano de fundo da tensão segue sendo o conflito entre Estados Unidos e China, em torno da hegemonia mundial.

2.A tensão internacional tem fortes rebatimentos na conjuntura da América Latina. Nos próximos meses teremos três eleições presidenciais importantes: o cenário é promissor para o campo popular na Argentina, ao mesmo tempo em que se apresenta muito difícil no Uruguai e Bolívia. Na Colômbia, o governo acoberta o massacre dos antigos guerrilheiros das Farc, massacre perpetrado por organizações paramilitares. Enquanto isso, a situação segue instável e tensa na Venezuela: por um lado, o governo consegue produzir um acordo com setores da oposição; por outro lado, há uma escalada do conflito fronteiriço entre Colômbia e Venezuela, agravada pela decisão – tomada por uma maioria de governos liderados pela direita — de invocar, contra a República Bolivariana, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca. Vista de conjunto a situação, está claro que a esquerda latino-americana enfrenta e seguirá enfrentando uma situação muito diferente daquela aberta entre 1998 e 2003, com a eleição de Hugo Chavez, Lula e Kirchner.

3.No plano nacional, prossegue a ofensiva do governo e da maioria conservadora do Congresso contra os direitos sociais, contra as liberdades democráticas e contra a soberania nacional. A lista de medidas adotadas é longa, mas para citar algumas recentes: a reforma da previdência caminha para ser aprovada no Senado, facilitou-se o porte de armas para os latifundiários, a base de Alcântara está sendo “ofertada” aos Estados Unidos, voltam as privatizações, o ataque contra os direitos trabalhistas e sindicais prossegue, aumentam as ações e ameaças de censura a filmes e outras produções culturais, como o caso do filme Marighela e da Bienal de São Paulo, até mesmo o autofinanciamento das entidades estudantis por meio da carteirinha da UNE está ameaçado.

4.Como resultado das ações do governo, crescem o desemprego, a informalidade, a miséria, a desassistência por parte dos serviços públicos (destacadamente na saúde), cresce o feminicídio e a violência policial, aumenta o envenenamento por agrotóxicos e as queimadas proliferam na região amazônica e no cerrado.

5.A piora nas condições gerais do país e do povo faz crescer o repúdio ao governo Bolsonaro. Mas isto não deteve, nem derrubou o governo, que possui alta resiliência, está conseguindo avançar com a aprovação de seus projetos e segue tratando, a sua maneira, dos problemas que vão surgindo no seu caminho. Aliás, o crescimento da impopularidade do governo não está sendo acompanhado de um crescimento das mobilizações sociais. Pelo contrário, depois da aprovação da reforma da previdência na Câmara dos Deputados, houve um refluxo nas lutas sociais. Há uma dispersão de iniciativas e pautas, uma dificuldade de mobilizar amplas massas, o risco de que votações importantes na Câmara passem inclusive sem nenhum tipo de protesto social. É como se parcelas importantes do povo e da militância não acreditassem ser possível, ao menos neste momento, deter ou derrotar o governo Bolsonaro por este caminho. Alguns setores atuam como se determinadas derrotas fossem inevitáveis e contra elas não fosse importante pelo menos marcar posição. Vale lembrar que, na educação por exemplo, por muito menos do que já se faz, houve uma intensa greve contra o governo Dilma.

6.Ao mesmo tempo, a piora no ambiente social é acompanhada por crescentes conflitos entre os diferentes setores que apoiaram a eleição de Bolsonaro. Em parte esses conflitos decorrem de diferentes posições existentes no golpismo, por exemplo, entre os que querem destruir toda a institucionalidade prevista pela Constituição de 1988 (vide o tweet de Carlos Bolsonaro, falando da impossibilidade de mudar o país através da via democrática) e os que querem preservar esta institucionalidade (que, diga-se de passagem, foi a mesma que praticou o golpe, viabilizou a prisão de Lula e permitiu a eleição de Bolsonaro).

7.Frente às ameaças de aprofundamento do estado de exceção, na ausência de fortes lutas sociais e na presença de conflitos inter-golpistas, uma parte da esquerda brasileira está sendo novamente atraída para a crença de que a crise teria solução “por dentro” da institucionalidade e “através” de alianças com setores de centro-direita. Em todos os partidos de esquerda, se intensifica a movimentação relativa às eleições 2020 e 2022, há novas expectativas de que o STF delibere favoravelmente sobre Lula, cresce a polêmica sobre a natureza da frente (“democrática” ou “popular?”) necessária para derrotar o bolsonarismo.

8.Nesse contexto, o PT é vítima de um “cerco em formato de pinça”. Por um lado, a extrema direita, liderada pelo bolsonarismo, continua operando com o objetivo de liquidar o petismo. Recentemente, Olavo de Carvalho chegou a dizer que o problema do país não é a corrupção, é o Foro de São Paulo, e todos os partidos ligados ao Foro, a começar pelo PT, deveriam ser impedidos de funcionar legalmente. Por outro lado, a centro-direita busca cooptar setores da esquerda para uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Ciro Gomes voltou a atacar Lula e o PT, deixando claro que com ele na presidência o petismo continuaria a ser tratado como uma quadrilha. Um movimento chamado “Direitos Já” é lançado, com a participação de FHC, Anastasia e outros do gênero, mas sem Lula Livre. Governadores ligados a oposição, como Flávio Dino e Rui Costa, buscam se posicionar como candidatos desta frente “democrática” (uma “democracia” entre aspas, em que o tema da prisão política de Lula é tratado como questão menor).

9.Tanto a esquerda em geral, quanto o PT, estão divididos entre defensores de duas táticas: os que defendem uma “frente democrática” com a centro-direita e os que defendem uma frente democrático-popular. A rigor, trata-se de polêmica semelhante a de outras épocas: Participar ou não do Colégio Eleitoral? Assinar ou não a Constituinte? Apoiar ou não o governo Itamar? Nesta polêmica, o Partido Comunista do Brasil sempre adotou as posições que está adotando agora, numa atitude que é coerente com sua visão programática e estratégica, que paradoxalmente reproduz a essência das posições da Declaração de Março de 1958 do antigo PCB. Já o Partido dos Trabalhadores, que em outras conjunturas optou por demarcar o campo de classe, mesmo que a custa de relativo e passageiro isolamento, hoje está sendo arrastado para a posição de quinta roda do carro, onde participaria de uma nova versão dos pactos por cima, legitimando um pacto de elites, aprofundando a linha de conciliação de classes que conduziu o partido a pesadas derrotas, aceitando secundarizar as pautas da classe trabalhadora e dar centralidade à versão descafeinada da chamada “pauta democrática”, onde se fala de democracia sem Lula Livre e sem liberdade de organização popular. Entre uma nova transição conservadora e o enfrentamento, o PT deve liderar o enfrentamento.

10.A situação interna do Partido dos Trabalhadores – em que setores importantes defendem posições que, no limite, sacrificam o conjunto do Partido — só pode ser compreendida, se levarmos em conta três fatores. Por um lado, o ambiente geral de refluxo das lutas sociais, totalmente diferente do que ocorria nos anos 1980, quando o PT recusou ser aliado subalterno da frente comandada pelos liberais. Por outro lado, a inércia de quase 25 anos (1995-2019) de uma estratégia de centro-esquerda, que leva muitos petistas a repetirem o que teria dado certo no passado, sem atentar para o fato de que a história não se repete, salvo como tragédia ou farsa. Hoje, repetir a tática dos anos 1990 seria “dar as mãos” para quem apoiou o golpe contra Dilma, apoiou a condenação e prisão e Lula, apoiou ou lavou as mãos frente a eleição de Bolsonaro e, principalmente, apoia o programa ultraliberal que castiga o povo. Finalmente, há o alto nível de institucionalização e burocratização das direções partidárias, que facilita atitudes de “baixo risco”, cujo único objetivo é preservar espaços e cargos.

11.Nas bancadas parlamentares, nos governos, na tática eleitoral, na campanha Lula Livre e nos movimentos sociais, fica clara a existência de duas táticas no interior do PT: uma de acúmulo de forças através da oposição e do enfrentamento social; e outra de baixar o perfil e esperar a onda passar, mesmo que às custas de capitulação e adaptação, incluindo a fragilidade com que muitas vezes a campanha Lula Livre vem sendo tratada pela direção petista. A tática da oposição e do enfrentamento só terá êxito se for respaldada por uma ampla mobilização social. Esta mobilização virá, mais cedo ou mais tarde, e é neste sentido que devemos concentrar nossos esforços e investir nossas energias. E é com esta orientação que a tendência petista Articulação de Esquerda vai participar dos congressos estaduais e nacional do PT, assim como do Congresso nacional e dos congressos estaduais da CUT.

12.O setor do Partido que venceu as eleições internas de 8 de setembro de 2019 está dividido sobre como enfrentar esta situação. Vide a polêmica entre Rui Costa, a executiva nacional do PT e o senador Jaques Wagner, com este último achando “totalmente descabida” a resolução adotada pela executiva nacional contra as posições antipartidárias de Costa. No fundo desta questão, mais do que uma divergência política, está saber quem tem o direito de definir a posição do PT: as instâncias partidárias ou os mandatários eleitos pelo partido? Outro exemplo de divisão está nas contraditórias declarações da presidenta Gleisi Hoffmann, de um lado, e do ex-candidato a presidente Fernando Haddad, de outro lado, acerca do já citado “Direitos Já”. Finalmente, há a política de alianças em 2020: faremos ou não alianças com partidos golpistas? Faremos ou não alianças com partidos que defendem que Lula deve continuar preso?

13.Como temos dito desde 2015, vivemos tempos de guerra. Como o grupo que hoje controla a direção nacional do PT não se preparou para isto, como muito pelo contrário, seguiu adotando uma estratégia equivocada e superada, incapaz de reposicionar o PT na nova etapa da luta de classes, sofremos derrotas estratégicas entre 2016 e 2018. Hoje estamos pagando o preço disto. Reverter a situação, libertar Lula, derrotar e derrubar a coalizão golpista, retomar o governo e o caminho para um Brasil democrático, popular e socialista, não será uma corrida de cem metros, mas sim uma maratona com obstáculos. O centro da questão segue sendo como buscar colocar a classe trabalhadora em movimento, em defesa de seus direitos, liberdades e objetivos imediatos e históricos. Isto depende em boa medida de o PT mudar sua linha política e seu método de funcionamento. As eleições internas de 8 de setembro de 2019 não contribuíram para isto. Portanto, a situação política exige determinação e paciência. Paciência com os tempos. Determinação para fazer o trabalho de base e a luta política ideológica implacável, indispensáveis para sairmos desta situação. É a isto que nos dedicamos.

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
Brasília, 15 de setembro de 2019

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