Remoto, improvisado e excludente

Por Ana Flávia (*)

Há muito vimos discutimos como o governo ultraliberal, de características neofascistas, de Jair Bolsonaro tem-se utilizado da pandemia da COVID-19 e da morte de milhares de brasileiros para implementar as suas políticas de retirada de direitos da classe trabalhadora.

Na educação pública, isso se evidencia com a tentativa de realização do ENEM ainda no ano de 2020; com a orientação para que as escolas e universidades retomem suas atividades na modalidade remota, independente de qualquer garantia das atividades.

Como sabemos, a modalidade remota não se trata do Ensino à Distância, o qual – apesar de precarizado – tem uma série de regulamentações (decreto e portarias) de como deve ser feito.

Essa nova modalidade, improvisada às pressas pelo Ministério da Educação para dar continuidade ao seu projeto de precarização do ensino público, sequer tem regulamentação específica que garanta segurança aos estudantes e professores, sendo desastrosa do ponto de vista pedagógico e social.

Do ponto de vista pedagógico é um desastre, porque coloca as tecnologias digitais da informação e da comunicação como centrais no processo de ensino-aprendizagem e não como auxiliares deste, transformando cursos presenciais em cursos remotos; e do ponto de vista social é ainda mais danosa, uma vez que além de estarmos passando por uma crise sanitária, estamos vivenciando o agravamento da crise econômica, o que implica diretamente em maiores índices de desemprego e de informalidade – especialmente na população jovem.

Como se a pandemia, a perda de familiares e amigos e a crise econômica não fossem motivos suficientes para não encararmos este momento como normal e, portanto, mantermos suspensas as atividades de ensino.

Soma-se a isso o fato de cerca de 25,3% da população brasileira não ter acesso à internet, sendo agravado para 53,5% nos estudantes brasileiros residentes em áreas rurais (IBGE, 2018).

Estamos falando, meus caros, de estudantes que ficarão excluídos diretamente do processo educacional. Nas universidades privadas, especialmente aquelas que são financiadas por recursos do FIES e PROUNI e que têm em sua base estudantes trabalhadores, a experiência com a modalidade tem sido aterrorizante e despida de qualquer responsabilidade mínima com o ensino e com as vidas dos estudantes.

Isentos de políticas de assistência estudantil, muitos estudantes não têm visto outra alternativa a não ser sair dos seus cursos. Ao passo em que o governo é incapaz de garantir a suspensão das mensalidades, aliado ao pagamento dos salários dos docentes e funcionários, os estudantes do FIES ainda não obtiveram o direito à suspensão do pagamento das parcelas até quando a pandemia durar, sem que estas sejam incorporadas no saldo devedor.

Algumas universidades públicas têm caído na irresponsabilidade e no canto de sereia de adotar uma nova modalidade, qual seja, um semestre suplementar opcional. Na prática, funciona da seguinte forma: a universidade pública transfere a sua responsabilidade social para os indivíduos, colocando à cargo do professor a escolha se ele irá precarizar o seu trabalho ofertando disciplinas na modalidade remota e do estudante que tiver direito de escolha a opção por precarizar ou não o seu ensino nesta mesma modalidade.

O discurso desse semestre de “novo tipo” visa maquiar a realidade concreta, colocando a ideia de que ninguém será prejudicado pelo mesmo, visto que ele é opcional e todos têm direito de escolha. Ledo engano: o estudante que não tem acesso as TDIC’s, que sequer tem espaço apropriado para estudos em casa e que precisa – na pandemia – trabalhar para sobreviver e dar sustento à família não terá direito de escolha. Exemplos recentes são os da UFERSA, que sequer estabeleceu um auxílio digital para os estudantes, da UFPB, da UFRN, da UFMA, dentre outras.

É importante destacar que parte considerável dessas universidades, que vem retomando suas atividades de forma remota, o fazem de maneira irresponsável, flertando com o improviso e ignorando preceitos basilares para a oferta de uma educação pública, capaz de se apresentar aos filhos e filhas da classe trabalhadora com a qualidade e excelência com as quais estávamos acostumados.

Tais universidades tem utilizado como subsídio questionários online, que não chegam a ser respondidos por 40% do corpo discente (UFERSA e UFPB, por exemplo), para justificar esse tipo de proposta absurda através do manto da opção.

Carecem de um diagnóstico elaborado à respeito das limitações de acesso à infraestrutura de internet, de telefonia e de equipamentos digitais, bem como da situação socioeconômica e sanitária do corpo discente – especialmente daqueles que moram em regiões indígenas e quilombolas – para, somente assim, se pensar em possibilidades de retomada e de diluir os seus danos.

É importante destacar que a Secretaria de Educação Superior (Sesu) e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) está articulando parcerias com empresas de telefonia como Oi, Vivo e outras para a aquisição de chips e créditos para o acesso à internet, bem como de equipamentos de hardware como notebooks.

É preciso ficarmos de olhos bem abertos para esse tipo de movimentação, pois, na prática, poderá significar a construção de perfis comportamentais e sociais ainda mais específicos e delimitados dos filhos da classe trabalhadora, a partir da entrega irrestrita, capitaneada pelo Governo e com o aval de universidades públicas, dos nossos dados.

Nesse cenário posto, as dúvidas e incertezas para a juventude trabalhadora, que conseguiu adentrar no ensino superior, especialmente depois dos governos Lula e Dilma, só aumentam.

Se, segundo os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), apenas 18% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 estão nas universidades, a previsão para os próximos anos é de que isso diminua de forma acelerada.

Corremos, pois, sérios riscos de não conseguirmos estabelecer os vínculos com as nossas universidades em um momento pós-pandemia, o que apontará para um índice de expulsão literal da classe trabalhadora dessas instituições superiores, que – não tenhamos dúvidas – as digitais serão desse governo genocida.

Na ausência de políticas que assegurem a nossa permanência, o nosso bem-estar, a renda, o que nos espera é algo muito pior.

Por isso, os desafios postos à juventude trabalhadora são imensos, principalmente em tempos de pandemia jamais vivenciados de forma semelhante pela nossa geração.

Resta às entidades de representação de classes, os DCE’s, Centros Acadêmicos e, especialmente, à Juventude do Partido dos Trabalhadores, uma tarefa essencial: organizar, organizar e organizar milhares de jovens para que possamos derrotar o Governo Bolsonaro, suas políticas e defender a vida!

(*) Ana Flávia é Coordenadora Geral do DCE da UFERSA e membro da Executiva Estadual do PT/RN.

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