Reforma do Ensino Médio afronta a educação pública

Ana Lídia Aguiar e Flávia Mendes Sá

A Medida Provisória (MP) 746/2016, que altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Lei que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, também conhecida como Reforma do Ensino Médio, foi aprovada em meados de dezembro de 2016 na Câmara dos Deputados. Essa reforma é fruto de um governo autoritário e ilegítimo que, por meio de uma MP, excluiu qualquer participação da sociedade sobre tais alterações. Não houve sequer um debate com docentes e representantes sobre as modificações propostas que visam aprovação a toque de caixa, como as demais reformas que atacam a classe trabalhadora, promovidas pelo governo golpista de Michel Temer.

Não é de agora essa arapuca nomeada como Reforma do Ensino Médio. Na Ditadura Militar o ensino médio também foi golpeado e manipulado para se tornar mais um mero instrumento de reprodução e sustentação da estrutura de dominação do regime ditatorial.

No ano de 1971, em plena Ditadura Militar, a suposta reforma foi aprovada e, assim como a de hoje, a argumentação que baseava o ataque à educação era a de que o país precisava de mais mão-de-obra qualificada para acompanhar o ritmo de crescimento da economia. Pouco tempo depois, em 1982, por conta dos inúmeros fracassos, como a falta de estrutura nas escolas, a má qualidade do ensino, a pressão dos empresários por uma formação acadêmica de nível superior e a falta de investimentos dos governos, a suposta reforma foi extinta.

Agora, em 2017, sofremos mais um golpe travestido de reforma. O governo golpista impôs de maneira extremamente abusiva uma suposta reforma do ensino médio público, retirando disciplinas essenciais para a vida democrática e para a formação social, humanístico e o acesso à cultura letrada, principalmente dos mais pobres. Ou seja: ele promove um esvaziamento de uma formação de fato mais integral, cidadã, crítica e inclusiva.

Na Reforma do Ensino Médio, versão 2017, a educação será regida por uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que retira a obrigatoriedade de disciplinas como História, Geografia, Química, Física e Biologia e define disciplinas como Filosofia e Sociologia como “complementos a outras disciplinas”, além de instituir o velho e mofado discurso da formação de mão-de-obra técnica qualificada para atender aos patrões e esvaziar o ensino superior, dificultando o acesso da classe trabalhadora à graduação e às universidades públicas.

A BNCC despreza a ideia de que uma formação técnica profissionalizante é complementar à educação básica; e ainda permite que essa seja terceirizada e/ou privatizada, de modo que parte dos investimentos públicos se dirijam aos empresários da educação.

Ao ampliar a carga horária do ensino médio progressivamente de 800 para 1.400 horas anuais, mas estabelecer que a carga horária destinada ao cumprimento da BNCC não poderá ser superior a 1.800 horas do total da carga horária do ensino médio, podendo inclusive ser bastante inferior a 1800 horas, o Projeto de Lei de Conversão desvinculou parte significativa do ensino médio da educação básica, ou seja, comum ao conjunto dos estudantes brasileiros, instrumentalizando o ensino médio em benefício de uma formação tecnicista e precária, em detrimento da educação em tempo integral.

Evasão escolar

A reforma nada mais é do que uma das etapas do golpe que ainda está em curso no país. As escolas públicas sofrerão com a falta de vagas, com a ausência de disciplinas fundamentais para a formação humana, com horários de aula que forçarão a evasão escolar dos estudantes trabalhadores que desde cedo precisam se lançar ao mundo do trabalho para manter a si e suas famílias. Por sua vez, a classe trabalhadora será impedida de acessar a universidade, principalmente a pública, que é sua por direito!

Para agravar ainda mais o cenário, as escolas não serão obrigadas a ofertar os cinco itinerários formativos (que são as possíveis escolhas que estudantes farão durante o ensino médio, para moldar sua formação) previstos na MP 746 e no Projeto de Lei de Conversão, nem tampouco teriam condições de fazê-lo, de modo que os estudantes não terão o direito de escolher os itinerários formativos de sua preferência, especialmente nos diversos municípios que possuem apenas uma escola pública estadual.

Ao invés de um plano de reestruturação das escolas de ensino médio, capaz de dotar as escolas públicas dos instrumentos necessários à implementação da educação integral, acompanhada de uma política de valorização do magistério público da educação básica, em consonância com a meta 17 do Plano Nacional de Educação, o governo ilegítimo produziu uma peça de marketing que tende a tornar as escolas de ensino médio ainda menos atrativas e acentuar a problemática da evasão, especialmente no ensino médio noturno, responsável por 23,6% do total de matrículas (Censo Escolar 2015).

Essa afronta à educação pública brasileira, nas várias dimensões de sua perversidade ainda se soma ao ataque à valorização salarial e formativa da categoria dos professores e professoras criando o chamado “notório saber”. Isso é um verdadeiro retrocesso, pois permite a contratação de profissionais sem habilitação de ensino superior e sem licenciatura plena, a qual é uma conquista histórica da categoria, pois garante a valorização de sua formação. Além disso, caberia a cada sistema de ensino definir o que compreende como “notório saber” sem haver uma interpretação única que regulamente a formação dessas pessoas.

O Estado de São Paulo já se adiantou por meio da aprovação do Projeto de Lei (PL) 389/2016, que prevê que um mesmo professor já pode, tanto na rede pública quanto privada, assumir diferentes atividades de ensino.

Concomitantemente à Reforma do Ensino Médio com a regulamentação da precarização do trabalho e da formação do professor, a aprovação da EC 95 que congela os gastos públicos em investimentos para a educação torna imperativos o sucateamento e as más condições de trabalho do professor e de ensino do aluno. Isso porque tais medidas de mudança no ensino vêm acompanhadas do não investimento em infraestruturas nas escolas públicas, as quais encontram-se deterioradas e sem as condições mínimas necessárias para uma educação de qualidade.

Na prática, em tempos de PEC do teto de gastos, a política de fomento tende a se transformar em mera peça de ficção, o que vai provocar um sucateamento ainda maior das escolas públicas e a exclusão violenta da classe trabalhadora de seu direito à educação pública, gratuita e de qualidade!

Ana Lídia Aguiar é professora e militante da Apeoesp

Flávia Mendes Sá é professora e militante do Sinpro Guarulhos.

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