Porque devemos evitar as grandes redes (mídias) sociais

As tecnologias da informação e as redes sociais ganharam expressivo relevo no debate público dos últimos anos, notadamente nos processos decisórios de vários países do mundo, inclusive no Brasil. No sentido de estimular a discussão sobre as potencialidades e limites destas ferramentas, Página 13 publica a seguir a contribuição de Emerson Sachio Saito, lembrando que artigos assinados não necessariamente expressam as posições da tendencia petista Articulação de Esquerda.

Trabalho há anos com assuntos como criptologia (inclui criptografia), as questões de segurança em software, e também sou ativista do software livre (do inglês opensource). Durante muito tempo e até mesmo durante essas eleições fiz alertas ( as comunidades de software livre sempre fizeram) sobre a forma e o efeito maléfico e manipulador que as chamadas redes sociais (ex:Facebook, Instagram), causam nas atividades políticas e sociais, inclusive com a integração delas com o Whatsapp (aplicativo de mensagens), que são todos do mesmo dono.

Acreditei que escândalos como da Cambridge Analytica (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/02/internacional/1525285885_691249.html) que influenciaram nas eleições estadunidenses ou outros mais antigos como a https://wikileaks.org fossem suficientes para que mesmos as pessoas que não estão acostumadas à tecnologia da informação pudesse ver o que os cerca, conseguissem “sair da Matrix”.

Mas não, as próprias redes sociais, os aplicativos e a velha grande mídia de sempre, já haviam os entorpecidos. Mesmos aqueles mais esclarecidos, com poucas exceções, conseguiram perceber que não devemos usar certas ferramentas para fazer ativismo.

Não entrarei no mérito neste texto, do uso de sistemas operacionais proprietários como windows, iOS (iPhone e Mac), que são tão maléficos quanto.

Vou me ater ao uso das redes sociais e aplicativos de mensagens como whatsapp e messenger.

A segurança já seria um bom motivo para evitarmos essas ferramentas que comentei, mas nem é o principal, por isso esclarecerei isso primeiro.

Muitos não sabem, mas os EUA têm uma lei (https://oglobo.globo.com/mundo/eua-renovam-controverso-programa-de-espionagem-digital-da-nsa-22302760) que permite que a NSA (National Security Agency) tenha acesso às informações de quaisquer sistemas de informação (Isso mesmo! Tudo, inclusive os sistemas operacionais aí entra Windows, iOS, MacOS).

Porém, para isso ser possível de alguma forma, todos os softwares que são produzidos por empresas estadunidenses (é o caso do Facebook, do Instagram, Whatsapp, Microsoft, Apple, etc…) precisam, obviamente, de uma porta de entrada para acessar os dados quando isso é pedido. Claro que na lei diz que precisa de decisão judicial, que é um combate ao “terrorismo”. Mas a partir do momento que há uma porta, foi-se a segurança, pois tem um meio de como acessar. Essa inclusive foi a principal denúncia do WikiLeaks, essas brechas que permitem a espionagem.

Por outro lado, os aplicativos que são feitos em outros países, ou pelo menos hospedados fora dos EUA, não são obrigados a seguir  essa lei e não precisam dessa porta, apesar de isso não ser uma garantia. Por isso, os softwares livres ainda são a melhor opção, já comento sobre isso.

Para piorar toda a situação, agora temos no Brasil uma iniciativa para criminalizar os movimentos sociais (https://theintercept.com/2018/11/07/lei-antiterrorismo). Essa lei, aliada àquela americana, permitirá ao governo acessar os mesmo dados.

 

Como comentei, há outro fator, não menos importante, que é a forma como os códigos são feitos. Softwares chamados proprietários (por exemplo, whatsapp) têm o código fonte fechado, que faz com que ninguém fora da empresa conheça esse código.Isso significa que quase ninguém sabe o que exatamente faz o aplicativo além das funcionalidades usadas pelos usuários. O que eles tanto querem esconder? Por outro lado, temos os softwares livres, como Telegram, Riot.im, Signal, entre outros que são de código aberto. Isso significa que qualquer um pode ver o código (por exemplo: https://github.com/riot/riot). Assim é possível saber exatamente o que faz o aplicativo. Comparo isso a ir num restaurante. Em um você pode visitar/ver a cozinha e saber como é feita a comida no outro é proibido, só para quem trabalha lá. Em qual você iria? Desconfiaria que tem algo estranho?

Ter grupos de discussão e até de organização estratégica em whatsapp, facebook, etc, só compromete a segurança de todos, ainda mais quando um presidente recém eleito diz que vai perseguir e prender quem for de oposição.

O problema não está só na segurança, mas também na forma como esses programas trabalham e se comunicam, tornando possível manipular a opinião das pessoas.

Para fazer isso, esses softwares precisam mapear os perfis das pessoas, saber a que grupos pertencem, como agem, quais suas atividades, etc. Nenhum software tem toda a informação necessária dentro dele ao ser criado. A forma como essas ferramentas captam e analisam essas informações são técnicas chamadas de Aprendizado de Máquinas (do inglês Machine Learning -https://en.wikipedia.org/wiki/Machine_learning), um pouco diferente de Inteligência Artificial (https://medium.com/data-science-brigade/a-diferen%C3%A7a-entre-intelig%C3%Aancia-artificial-machine-learning-e-deep-learning-930b5cc2aa42).

Aí que está o “perigo” de pessoas com perfil progressista, militantes de causas sociais, etc, usarem essas redes e seus aplicativos. Nós mesmos estamos ajudando a aperfeiçoar essas ferramentas que foram (e serão) usadas contra nós mesmos. As ferramentas sozinhas não teriam capacidade de traçar perfis tão bons sem essas informações e não haveria como inclui-las e mantê-las sem a ação dos seus usuários. Inclusive para saber as mudanças de comportamentos, de estratégias, de ações que ocorrem, por exemplo, durante um período eleitoral.

Alguns vão dizer que é importante estar nas redes para ser o contraponto à essas técnicas. Mas não. É Justamente o contrário, quanto mais estamos lá, mais eficientes serão contra nós.

As redes se especializam de tal forma que conseguem evitar que as informações relevantes cheguem às pessoas com perfis mais neutros.

As publicações conservadoras, fake news, etc, dificilmente vão chegar naqueles que poderiam se contrapor a elas. Já o contrário, quando é uma publicação esclarecedora, chega somente aos que já a conhecem e naqueles que irão rapidamente repudiá-la e atacá-la. Essa é uma técnica chamada de bolha de isolamento.

Assim, é ineficiente e inútil achar que vale fazer militância em redes sociais vá trazer algum resultado positivo. Quanto menos informações passarmos as essas redes, menos eficientes elas serão. O pouco de divulgação que conseguimos é boicotada e superada.

E pode ter círculos de amizades? Propaganda política?

Em alguns casos, sim. Contudo, em círculos de amizades ou familiares com pessoas de ideologias diferentes dificilmente permitem discussões ideológicas e/o políticas. É uma forma de reunir, mas mesmo assim há alternativas livres, mas não seria tão negativo usar. Já a propaganda política mesmo, divulgação de campanha por exemplo, é uma total perda de tempo e dinheiro, pois elas são direcionadas de tal forma que só atingem aqueles que já são os eleitores daquela linha política (já que esses perfis já estão mapeados). Então, não seria bem melhor já ficar isolado em uma rede livre de espionagem? O melhor caminho para campanhas, é e sempre foi a rua, a conversa face a face. Esse ano, gerei dados geo-processados (em forma de mapas) de uma campanha em Curitiba que prova essa farsa da propaganda em redes sociais, pois os votos ficaram quase que exclusivamente onde houve panfletagem. A rede que teoricamente não tem fronteiras, fez justamente o efeito bolha.

Partidos políticos, lideres, e movimentos sociais criando grupos de discussão, eventos, nessas ferramentas para tratar assuntos estratégicos é ainda mais danoso, pois expõe muitas vezes a organização tática e estratégica.

Ninguém está pedindo que abandonem as redes sociais (o que seria muito melhor), mas que as deixem apenas para as futilidades.

Há outros meios, outras formas, inclusive alternativas no mundo digital. Mas aqueles meios pertencentes a uma pessoa (caso de facebook, instagram, whatsapp) ou grandes corporações (microsoft, apple, etc), isso, desde que a sociedade moderna existe, sabemos que não são voltadas as causas sociais.

Enfim, sabemos bem porque foi uma luta desigual, mas iremos ou não reagir?

É preciso militância e organização do forma digital? Obviamente que sim!

Mas que tal https://diasporabrazil.org/ ao invés de Facebook?

Telegram, Riot.im, Signal (olha quanta alternativa) ao invés de whatsapp?

https://www.limesurvey.org/ ao invés de google forms?

Os caminhos que levam a uma saída existem, basta querermos trilha-los. E sim, depois de ter andado tanto no caminho errado é preciso voltar um bom tanto para poder achar o correto. Mas na vida nada é simples, tudo tem seu custo. Se não fizermos algo enquanto há tempo, depois não adianta lamentar. Até porque já temos muito a lamentar.

Emerson Sachio Saito é militante do PT.

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