Parlamento chancelou intervenção militar no Rio de Janeiro e avanço do golpe

Fernando Frazão/Agência Brasil

 

Por Bruno Costa*

Nos dias 19 e 20 de fevereiro, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, editado por Michel Temer e sua camarilha, autorizando uma intervenção militar no Rio de Janeiro até o dia 31 de dezembro de 2018.

Na Câmara dos Deputados, 340 parlamentares votaram a favor da intervenção, 72 votaram contra e 1 se absteve de votar. 100 parlamentares não compareceram à sessão. Apenas as bancadas do PT, PCdoB e PSOL votaram contra o decreto de intervenção. As bancadas do PDT, PSB e REDE, tidos como partidos de centro-esquerda, votaram a favor do decreto de intervenção.

No Senado Federal, 55 parlamentares votaram a favor da intervenção, 13 votaram contra e 1 se absteve de votar. 11 parlamentares não compareceram à sessão. As bancadas do PT, PCdoB e REDE votaram contra o decreto de intervenção. O PSOL não tem bancada no Senado, enquanto a bancada do PSB se dividiu na votação. A bancada do PDT votou a favor do decreto de intervenção.

O Brasil atravessa uma crise generalizada, mas a faceta mais grave da crise que o país atravessa é a crise da democracia, golpeada pelo impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff, pela crescente politização do judiciário e pelo programa do governo instituído via golpe de Estado.

Durante a ditadura civil-militar testemunhamos a interdição do voto livre e direto, a extinção de partidos políticos, a proibição de manifestações públicas, a institucionalização da censura e da tortura e o assassinato de militantes de esquerda. Hoje estamos vivenciando processos que, guardadas as devidas proporções, conduzem-nos gradativamente a um Estado de Exceção de novo tipo. A deposição da presidenta democraticamente eleita via golpe, a desconstitucionalização de direitos, a caçada jurídica e midiática empreendida contra Lula e o decreto de intervenção militar no Rio de Janeiro – com a consequente liberalização de mandatos de busca e apreensão e de prisão genéricos – são manifestações visíveis da ruptura do pacto democrático de baixa intensidade formalizado na Constituição de 1988.

A intervenção militar no Rio de Janeiro, além de ser um ato arbitrário, midiático e populista, que desvirtua completamente a atuação das forças armadas, pode ser o ensaio de uma intervenção de maior amplitude, que pode abranger parte significativa ou até mesmo a totalidade do território nacional, haja visto que outros nove estados da federação estão à frente do Rio de Janeiro no ranking dos estados com maior taxa de homicídios por cem mil habitantes e enfrentam problemas tão ou mais graves na área da segurança pública. Assim, as forças armadas, que têm por missão primordial proteger as nossas fronteiras e a soberania nacional, seriam transformadas em forças auxiliares de patrulhamento interno, em detrimento de sua identidade institucional e dos investimentos em tecnologias militares e defesa nacional. Os inimigos internos, assim como ocorre com as polícias militares, seriam a população pobre e negra e os movimentos populares.

Ademais, trata-se de uma medida que nos distancia ainda mais de um debate sério e qualificado sobre a questão da segurança pública. Ao intensificar a fracassada guerra contra as drogas e a criminalização da população pobre e negra que vive nas favelas e comunidades periféricas, a intervenção militar no Rio de Janeiro repele o debate sobre a descriminalização das drogas, a reforma das polícias, o fim dos autos de resistência, a necessidade de investimentos em inteligência, o abuso de autoridade, a morosidade e a seletividade do sistema de justiça, a cultura punitivista e a perversidade do sistema prisional brasileiro. Repele ainda o necessário debate sobre os projetos de nação que estão em disputa, uma vez que a grande mídia empresarial cuidará de espetacularizar a intervenção militar no Rio de Janeiro e de transformar a segurança pública em pauta única.

Em busca de popularidade, o governo mais impopular deste o término da ditadura civil-militar abriu uma porta para um caminho tenebroso, como atestam as declarações do próprio comandante do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas, que já caracterizou o uso de soldados em atividades de segurança pública como “desgastante, perigoso e inócuo”.

Sabendo do despreparo das forças armadas para o exercício da função que o decreto de intervenção lhes impõe, Villas Bôas, que é considerado um general moderado, chegou ao cúmulo de afirmar que os militares necessitam de “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”, o que torna ainda mais vivas as sombras da ditadura civil-militar.

O que oculta, na prática, a reivindicada garantia? Não seria o direito de matar? Não seria o direito de explorar quaisquer meios para atingir determinado fim? Quem serão as vítimas de mandados de busca e apreensão e de prisão genéricos? Serão os moradores de Ipanema e do Leblon ou da Rocinha e da Maré? As respostas são previsíveis.

Não temos outro caminho senão semear, dia após dia, um processo de intervenção popular, capaz de interditar a agenda do golpe e de forjar um novo projeto de nação. Segurança pública também tem a ver com emprego e renda, com educação, com cultura, com moradia, com lazer, com mobilidade urbana, com reforma agrária, com democratização da mídia, com justiça tributária, com soberania popular e com esperança. Sigamos juntos nesta luta, que é forma mais digna de ter fé.

* Bruno Costa é militante do PT

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