Pandemia e desigualdade nas escolas públicas

Por Ivonete Cruz (*)

O golpe parlamentar, midiático e jurídico que afasta a presidenta Dilma Rousseff teve como um dos principais alvos o ataque à educação pública. Uma das primeiras medidas foi a Emenda Constitucional 95/2006, que cortou gastos em direitos essenciais como a educação, a saúde e a assistência social.

Total ausência de projeto para a educação na perspectiva de atingir e se fazer cumprir as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) que foi sancionado em 2014 pela presidenta Dilma Rousseff e tem vigência até 2024.

Das 20 metas apontadas no plano, destaco aqui duas que estão caminhando na contramão do que determina o plano: 1/a Meta 17, que trata da Valorização dos Profissionais da Educação: vivemos um retrocesso mediante medidas provisórias e projetos de lei de contrarreformas que atacam diretamente os servidores públicos em geral e os trabalhadores da educação em particular; 2/a meta 20, que trata da questão do financiamento, que pelo PNE deve chegar a 10% do Produto Interno Bruto. O que temos visto na política do governo genocida de Bolsonaro é uma política de cortes de recursos, seja na educação superior, seja na educação básica.

O segundo ano do governo Bolsonaro se dá em meio a uma pandemia mundial que, no caso do Brasil, é tratada sem que haja nenhuma política séria de contenção e proliferação do vírus; pelo contrário, o governo Bolsonaro trata a pandemia de forma banalizada e, ao meu ver, de afronta, quando faz questão de publicamente desrespeitar as orientações da Organização Mundial de Saúde em relação aos cuidados que deveriam ser tomados para evitar proliferação e, portanto, salvar vidas.

No tocante a educação, governos estaduais e municipais adotaram medidas, através de decretos, de suspensão das aulas, que ao nosso ver foi uma medida acertada e necessária, já que a escola é um espaço de grande aglomeração e circulação de pessoas.

A suspensão das aulas e a necessidade de discutir a questão sobre o cumprimento do ano letivo de 2020 levou à construção de uma política de aulas não presenciais que, em minha avaliação, escancarou a profunda desigualdade social dos estudantes das escolas públicas, uma vez que o principal mecanismo de aulas remotas está sendo a aula digital, através de plataformas que não são disponibilizadas aos professores e estudantes. Estudos têm demonstrado que, em média, 60% dos estudantes no Brasil não têm acesso a estas aulas por não terem condições de pagar pacotes de internet que permitam acessar as aulas. Nesse sentido, os mais prejudicados, que estão sendo mais uma vez excluídos, são os estudantes das regiões periféricas e pobres.

Outros meios de atender a estes estudantes são adotados, como o uso de apostilas e trocas de mensagens via WhatsApp. Considero que ambas as medidas são insuficientes e perigosas: o uso da apostila, por ser uma das formas de circulação e proliferação da Covid-19, caso não haja um processo eficaz de esterilização do papel e nós sabemos que nossas escolas não têm suporte adequado para isso; e o segundo caso, o uso de WhatsApp expõe a vida dos professores, já que o instrumento usado para este fim é o aparelho de uso privado do professor.

Esse é outro aspecto que merece destaque, a total ausência do Estado, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, em garantir todas as condições necessárias tanto para professores quanto para estudantes. Então vamos fazendo de qualquer jeito e atendendo somente aqueles que possuem os meios necessários. E os demais? E os que não estão tendo acesso? Esses, para o Estado, são o resto. A estes é negado um direito constitucional que é a igualdade de acesso e permanência na Educação Pública.

Diante desse cenário e da naturalização das mortes pela Covid-19 fica o questionamento: como se dará o processo de retomada das aulas presencialmente?

Neste sentido, defendo a seguinte tese: o ano letivo se recupera, vidas não. O retorno das aulas presenciais exige um conjunto de medidas que devem ser adotadas pelo poder público que passam pela organização do ambiente escolar; por condições necessárias para manter o distanciamento físico nas escolas; pela obrigatoriedade do uso de máscara para acesso e permanência; por garantia de condições sanitárias e higiênicas nos banheiros e demais espaços das escolas; ventilação; água; alimentação escolar de qualidade; enfim, um conjunto de medidas que requer recursos financeiros para construir uma total reestruturação do ambiente escolar que garanta a vida de todas e todos que fazem parte da comunidade.

E, na contramão de todas essas necessidades, o governo Bolsonaro vetou todos os artigos que tratam do financiamento e da disponibilidade de recursos da Lei 14.040, que trata das aulas remotas e do retorno às aulas presenciais.

Em meio a tudo isso, vivemos um processo de implementação à revelia da contrarreforma do Ensino Médio, que em poucas palavras tem como objetivo desmontar a Educação Básica e consolidar o projeto ultraliberal de formação da juventude para o mercado de trabalho, de forma alienada e sem pensamento crítico.

Mas, para não dizer que não falei das flores, a organização e a mobilização dos trabalhadores em Educação e estudantes levaram à conquista da Emenda Constitucional 108, que transformou o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) em política permanente, com a garantia da sub-vinculação de 70% dos recursos para o pagamento dos trabalhadores em educação e o Custo Aluno Qualidade.

Nossa luta agora é pela defesa do projeto de lei que regulamenta o Fundeb, com todas as conquistas que hoje fazem parte da Constituição Federal. Em defesa da vida, em defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, em defesa da Educação Pública, gratuita e de qualidade!  Fora Bolsonaro e todo o seu governo.

(*) Ivonete Cruz é presidente do Sintese (Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Sergipe)

 

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