O reducionismo do papel da Educação Infantil em Campinas

Guida Calixto*

O Município de Campinas, através de sua Secretaria de Educação vem reduzindo a oferta de vagas na área da educação infantil. Essa diminuição em específico vem ocorrendo no atendimento de crianças da faixa etária de 4 meses até 1 ano e 8 meses, que são as vagas destinadas ao agrupamento I, antigo berçário.

Essa informação foi constatada a partir de um requerimento enviado à SME pelo mandato do vereador Pedro Tourinho do PT, solicitando dados oficiais sobre o déficit de vagas na educação infantil em Campinas. Esses dados podem ser acessados através do link http://www.campinas.sp.leg.br/ativi…/pesquisa-de-proposicoes ou solicitar ao mandato do vereador a gravação do debate realizado em 27/08/2019 na Câmara Municipal com a temática “O Déficit de Vagas na Educação Infantil em Campinas” onde foi disponibilizado esses dados também. Esse evento contou com a presença de um representante do Ministério Público, da Presidenta do Conselho Municipal das Escolas, de um Conselheiro Tutelar da região Noroeste, Funcionários da Vara da Infância e Juventude, bem como dessa que vos escreve que é trabalhadora na educação infantil em Campinas.

O primeiro ponto detectado que nos surpreendeu foi o dado supramencionado da diminuição da oferta de vagas em creches para o agrupamento I que são as crianças menores e justamente onde a demanda é muito alta. Essa diminuição foi constatada na região Norte da cidade, onde no ano de 2018 eram oferecidas 34 turmas de agrupamento I que disponibilizava 834 vagas. Já em 2019 essa região passou a contar com 32 turmas disponibilizando 772 vagas.
Outra situação de destaque é o que ocorre na Região Noroeste da cidade, que nos últimos anos teve um crescimento desordenado sem planejamento estrutural da gestão pública, com pouquíssimos equipamentos de serviço público para atendimento da população dessa região que é uma das mais afetadas e que necessita hoje de no mínimo 1659 vagas para atendimento dessa demanda.

As informações fornecidas pela SME a partir desse requerimento do vereador, nos dão um mapa preciso do quanto essa gestão educacional não tem priorizado esse importante serviço na busca de garantir um direito fundamental da criança, que é o direito a educação, pois sequer, essa administração tem um planejamento para sanar esse déficit. Na verdade, a administração Jonas Donizette corre o risco de entregar a cidade com o mesmo déficit de vagas na educação infantil na época em que assumiu há 7 anos.

Também nesse debate o Promotor Público da Vara da Infância e Juventude Rodrigo Augusto de Oliveira nos informou que o Ministério Público tem acompanhado de perto essa problemática, inclusive com ajuizamento de ação civil pública contra a administração municipal, realizando reuniões bimestrais com a participação da Secretaria Municipal de Educação para monitorar essa questão, bem como outras ações inclusive judiciais, para ajudar nesse planejamento e na busca da solução desse problema.

Diante dessa afirmação do Promotor, fiquei muito espantada, pois se existe essa comissão de representantes do MP juntamente com representantes da SME, essa comissão não percebeu que a administração Jonas Donizette vem diminuindo as vagas oferecidas na educação infantil? O Promotor Público informou ainda que ação civil pública foi julgada procedente condenando o município a pagamento de multa pela falta de vagas e mesmo assim o prefeito reduziu vagas para as crianças de agrupamento I onde a demanda só aumenta e o poder judiciário não fez nada?

Além da prefeitura não fazer um planejamento para atender as famílias que necessitam dessas vagas para seus filhos, o prefeito diminui o que nós já tínhamos, ou seja, Jonas Donizete tem fechado salas de atendimento na educação infantil e o poder judiciário dessa cidade pouco, para não dizer nada, tem feito sobre isso.

Fica muito fácil para o poder judiciário emitir uma ordem obrigando um trabalhador da educação cumprir a decisão de atendimento de uma vaga, mesmo que sua escola já esteja com a capacidade máxima de atendimento, até porque, se esse trabalhador gestor da creche não cumprir, poderá responder por crime de descumprimento de ordem judicial, enquanto que o gestor da cidade o prefeito não é responsabilizado pelo não cumprimento e garantia de um direito fundamental e que cotidianamente vem desmontando o serviço público, e em específico sucateando educação pública municipal sem receber, pelo menos uma cobrança mais rigorosa pelo seu descaso.

Hoje, nossas salas de agrupamento I e II continuam com superlotação de crianças, que conseguem vagas, em sua ampla maioria através de ações judiciais individuais por meio da Defensoria Pública, pratica essa que acaba “furando a fila” na lista de espera em que várias famílias estão inscritas aguardando uma vaga. Se uma criança está classificada na lista de espera como 21º e tem sua demanda atendida judicialmente, o que acontece com os inscritos na lista anteriormente? Esses também não merecem ter seu direito resguardado constitucionalmente? Porque o poder judiciário não obriga a SME atender esses outros vinte inscritos que permanecerão aguardando na lista? Muitas dessas famílias sequer sabem que podem procurar a Defensoria Pública para tentar antecipar essa vaga tão esperada. Assim, hoje temos salas de AG I com capacidade máxima de 24 bebês, atendendo 32, 33 alunos e por aí vai.

Com salas de aulas superlotadas o trabalho é muito prejudicado e nossas crianças não estão recebendo um atendimento adequado para suprir suas necessidades nessa faixa etária tão importante para seu desenvolvimento, físico, cognitivo, intelectual e social. Cabe lembrar ainda que a rede municipal está tendo um aumento na demanda para atendimento de crianças com deficiência e crianças com Transtorno de Espectro Autista.

A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica e tem que ser respeitada como um espaço educacional especializado de produção de conhecimento, de cultura, construção do saber e não meramente como um espaço onde colocamos nossas crianças sem sequer saber as condições e a qualidade desse atendimento.

Em Campinas resistimos à falta de condições de trabalho, falta de profissionais para esse atendimento e estrutura adequada. Atualmente os centros de educação infantil tem garantido o atendimento de nossas crianças às custas de horas extras cumpridas pelas educadoras Infantis que laboram até 10 horas por dia para garantir o cumprimento dos dias letivos.

Órgãos que deveriam ser nossos parceiros na garantia do direito à educação universal e de qualidade, como o Conselho Tutelar e o MP, reproduzem um discurso deturpado responsabilizando os profissionais da educação como sendo um dos fatores de empecilho a esse direito.

Não consigo localizar por parte de conselheiros tutelares uma criticidade mais ampla na defesa de que uma criança é um ser revestido de direitos e o atendimento com qualidade na educação infantil faz parte dessa garantia constitucional.

Também vejo que falta por parte do MP uma fiscalização efetiva, com medidas enérgicas que cobre de fato o executivo municipal sobre essa situação. As tais reuniões bimestrais informadas pelo Promotor Público pelo jeito estão cumprindo outras finalidades, pois a administração diminuiu oferta de vagas nas barbas do MP e ele sequer sabe.

Por isso, ratifico meu posicionamento sobre a responsabilidade do Poder Judiciário em não punir com rigor o gestor público municipal e do MP que aparenta paciência com essa administração municipal além do tolerável.

*Guida Calixto é monitora infanto juvenil da Secretaria Municipal de Educação em Campinas*

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