O que nos resta e o que temos

Por Luiz Sérgio Canário (*)

A cidade de São Paulo já tem várias candidaturas e pré-candidaturas para ocupar a prefeitura a partir do ano que vem. São eles: Bruno Covas (PSDB), atual prefeito, Andrea Matarazzo (PSD), Felipe Sabará (Novo), Guilherme Boulos (PSOL), Joice Hasselmann (PSL), Levy Fidelix (PRTB), Marcio França (PSB/PDT), Orlando Silva (PCdoB), Celso Russomano (Republicanos) e Jilmar Tatto pelo Partido dos Trabalhadores. O Solidariedade de Marta Suplicy ainda não se decidiu se lança ela como candidata ou como vice em alguma coligação. Vale lembrar que nessas eleições são permitidas coligações na candidatura majoritária, mas não nas proporcionais. Muitos candidatos e nenhuma candidata. A maioria deles, quase todos, do lado direito do ringue. Alguns encostados nas cordas, lá no extremo.

Nesse cenário as forças de esquerda estão no PT, PCdoB e PSOL. PSB e PDT, que em algumas situações até podem estar do lado esquerdo, na cidade de São Paulo estão representados por Marcio França, ex-vice de Alckmin, que assumiu o governo quando ele saiu para concorrer à presidência. Exerceu o mandato como um fiel representante do neoliberalismo.

Na esquerda o PSOL foi o primeiro a lançar candidato. Prévias internas apontaram Boulos e Erundina para a chapa majoritária. Apostam nas popularidades de Boulos, como líder de uma organização do movimento dos sem teto, o MTST; e de Erundina, como ex-prefeita em 1989 na primeira gestão do PT na cidade. Apostam também que a dupla de um homem jovem com uma mulher experiente é muito forte. Erundina traz para a chapa sua experiência como ex-prefeita, ex-ministra e deputada, muito combativa, por algumas legislaturas. Boulos traz sua juventude, sua capacidade de liderança e sua experiência na condução de uma organização do movimento popular com bastante participação na cidade.

Sob outros ângulos, Erundina foi prefeita em uma gestão petista, cercada pelos melhores quadros do PT em São Paulo naquela época. Marilena Chauí, Florestan Fernandes, Perseu Abramo e Ermínia Maricato, por exemplo. Todo o acúmulo teórico, prático e político dessa equipe esteve a serviço de sua gestão. A seguir sua trajetória é de conflito com o PT. Cria um impasse com o partido por aceitar ser ministra de Itamar Franco contra a posição do PT. E acaba saindo e indo para o PSB, de onde sai para entrar no PSOL. Boulos por sua vez não tem nenhuma experiência na área pública, assim como o PSOL em São Paulo. Nunca participou do parlamento e nem da administração em qualquer instância do poder público. Tem pouca presença nas áreas mais carentes da cidade. Quando da formação da Frente Brasil Popular, preferiu apostar na criação da Frente Povo Sem Medo, da qual é uma das principais lideranças.

Mais recentemente o PCdoB também lançou seu candidato, depois de várias eleições coligado ao PT desde o primeiro turno. A vice-prefeita de Haddad era do PCdoB, Nádia Campeão. Em suas falas o candidato, que é negro, tem focado muito nas questões raciais. É o único candidato negro. O partido tem pouca expressão na cidade e sem coligação nas eleições proporcionais não deve eleger vereador.

A cidade de São Paulo é um mundo. Um universo sem paralelo com nenhuma outra cidade do país e com poucas do mundo. Tudo é gigantesco e envolve milhões de pessoas. Possui uma população maior que muitos países europeus. Uma cidade onde convivem, muitas vezes sem se aproximar, diversas culturas, etnias, nacionalidades, línguas, modos de vida e até mesmo hábitos de consumo. Uma cidade plural e muitas vezes cruel. Governá-la não é uma tarefa simples. Uma cidade rica, pois Haddad deixou as contas regularizadas e muito dinheiro em caixa, mas que não cuida bem das pessoas. São Paulo está hoje nas mãos de um representante do neoliberalismo mais atrasado, o prefeito Bruno Covas, que herdou o mandato de Doria quando esse abandonou a prefeitura para ser governador. Covas está seguindo bem a cartilha que herdou: terra arrasada em tudo que for serviço e servidores públicos. Isso torna a tarefa do próximo prefeito, se não rezar por essa mesma cartilha, muito pesada. Recuperar os estragos e trabalhar para melhorar as condições de vida na cidade, principalmente para a classe trabalhadora. E em uma conjuntura marcada pelos avanços da direita em todo país e pela profunda crise econômica piorada pela pandemia.

O Partido dos Trabalhadores já governou a cidade em três gestões. Em 1989 com Luiza Erundina, em 2001 com Marta Suplicy e em 2013 com Fernando Haddad. Foram gestões que, apesar dos erros, tanto políticos quanto administrativos, deixaram marcas perenes na cidade: CEU, corredor de ônibus, bilhete único, dentre outras. Acumulou experiência e formou quadros que conhecem a cidade. Erundina e Marta não estão mais no partido. Mas o legado de suas gestões segue com o partido. O acúmulo ficou, mesmo com a saída delas. E isso dá a confiança que o PT consegue realizar o programa que se propõe. Tem quadros e acúmulo de experiência para isso, além de conhecer a cidade.

Não tivemos gestões exemplares e sem críticas. Poderíamos ter feito mais do que fizemos. Principalmente na articulação política das várias organizações populares para que participassem mais da gestão e estivessem mais bem preparadas para defender suas conquistas. Não demos a atenção devida a questões importantes para a saúde, principalmente nas periferias. Não buscamos construir uma administração moderna que desse dinamismo econômico e gerasse empregos. Aceitamos e participamos do jogo sujo da Câmara de Vereadores. Não construímos na cidade um bastião de resistência às políticas neoliberais dos governos tucanos. Os erros também são nossos e não podemos deixar de pensar em corrigi-los ganhando a eleição para a prefeitura. Isso é um imperativo se quisermos fazer da gestão um marco político que aponte e construa novas formas de governar a cidade. E de fazer dela um importante polo de resistência a Bolsonaro e suas políticas. E a de seus aliados no governo do estado.

A construção da candidatura do PT começa no 4º Congresso de Zonais: Paulo Freire em meados de 2019, que decide que o PT terá candidatura própria e que ela será escolhida em uma prévia com a participação de todos os filiados na cidade. Com a abertura das inscrições 7 candidaturas se inscrevem, uma boa participação. As prévias estavam previstas para o início de 2020.

A pandemia impede a realização de prévias presenciais. O Diretório Nacional, em decisão que vai de encontro ao Estatuto do PT, resolve que os candidatos seriam escolhidos pelos Diretórios Municipais, inclusive em São Paulo, em um processo através da internet. A justificativa era de que não havia condições técnicas para uma votação eletrônica com tanta gente. Um documento do Setorial de TI do PT do estado mostra que isso não era verdade. Isso provoca uma enorme resistência interna. Várias tendências e militantes se colocam fortemente contra esse processo antidemocrático. Das sete candidaturas 5 se retiram restando somente Alexandre Padilha, que é apoiado (formalmente ou na prática) pelos outros cinco, e Jilmar Tatto. Após um enorme e desgastante processo, que deixou várias e profundas sequelas, uma outra resolução cria um Colégio Eleitoral com a participação de todos os dirigentes zonais da cidade, além do DM, resultando em cerca de 600 pessoas, que votariam pela internet. Logo se vê que problema técnico de fato não havia, mas o problema político, de querer um pequeno grupo escolhendo o candidato foi determinante. A Articulação de Esquerda resolve não participar do processo e seus dirigentes zonais se retiram do tal Colégio Eleitoral e recorrem ao DN para que ele reavalie a questão, o que é negado. Ao final Jilmar Tatto foi escolhido por pequena margem de votos.

A candidatura de Tatto nasce de um processo que dividiu o partido. Jilmar e Padilha são da mesma corrente, a CNB. Ao fim e ao cabo o partido foi de alguma forma forçado a resolver os problemas internos da corrente que não conseguiu se unir em torno de um único candidato. Jilmar e Padilha são duas faces da mesma moeda. Se há eventuais diferenças no comportamento pessoal, quase não se enxerga diferenças políticas. A prévia no fim foi uma espécie de cara ou coroa com a participação de 600 convidados. Ganhou o que sozinho teve mais força em todos os DZs que todos os outros juntos, aí inclusive o pedaço da CNB que apoiou Padilha. Ganhou quem tem mais controle sobre a máquina e a burocracia do partido na cidade. Tatto já nasce um candidato manco.

Essa situação dá margem a todo tipo de estranhezas. Filiados históricos como Marilena Chauí declaram apoio a Boulos. Candidatos a vereança fazem lives com Boulos. Ou falam que não podem fazer nada se seus apoiadores também vão apoiar Boulos na campanha! Muitos fazem corpo mole na defesa do candidato do partido ou simplesmente falam abertamente que não farão campanha. Vê-se de tudo nessa geleia geral que virou o PT na cidade. Como fala o dito popular: em terra de Murici, cada um trata de si!

Mas quem trata do PT? Estamos em uma conjuntura em que o partido é alvo de todos, principalmente da direita que vem desde muito em uma campanha para nos extinguir. Mas a esquerda por sua vez nos acusa de hegemonistas e de não admitir alianças em que não encabeçamos a chapa. O PSOL lança candidato. O PCdoB lança candidato. Mas o PT, para mostrar que não padece dos males que lhe acusam, precisaria supostamente renunciar a sua justa vontade de lançar seu candidato. Estamos apoiando o PCdoB em Porto Alegre e o PSOL em Belém. No Rio o PSOL preferiu rifar a candidatura competitiva de Freixo a compor com o PT.

É vital para o partido nessa conjuntura ter um candidato na cidade. O PT precisa mostrar que está vivo e que tem base social. Que tem um passado que nos qualifica para o futuro. Precisamos construir um programa, o que está sendo feito, que aponte os nossos caminhos para voltar a estar a serviço e para atender as necessidades da classe trabalhadora na cidade. Não há justificativa política que nos afaste da decisão de lançar candidato. Poderia ser outro candidato (nós da AE apresentamos ao Diretório Nacional a proposta de reabrir a discussão a respeito; tivemos o apoio de 20 integrantes do Diretório e, portanto, nossa proposta foi formalmente derrotada, embora dias depois o próprio candidato tenha dito “topar” uma espécie de primária entre as candidaturas de esquerda, revelando que a confusão a respeito prossegue).

No que pese o processo desastroso de indicação de nosso candidato. No que pesem todas as críticas políticas e comportamento que tenhamos o candidato do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo é Jilmar Tatto. E precisamos fazer desta uma candidatura forte, principalmente nas regiões mais carentes da cidade. Uma candidatura que defenda um programa moderno e que dê atenção as necessidades de toda a cidade. Todo o partido, e principalmente suas candidaturas a vereança, devem entender que estamos no mesmo barco. Se ele afunda na cidade, afundamos todos. É nossa sobrevivência política com ator importante que está em jogo.

(*) Luiz Sérgio Canário é militante DZ Pinheiros do PT-SP

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