O “plano B” é o anzol da direita (imperialista e da entreguista)

Por Ariely de Castro

O cantor Criolo, na música “Esquiva da Esgrima”, usa uma frase bastante apropriada ao atual momento da luta de classes no Brasil. A metáfora é simples, o conteúdo profundo: “é que anzol da direita fez a esquerda virar peixe”.

Nessa artística e pedagógica frase, ele sintetiza o risco maior de se pegar caminhos táticos, que deixam de considerar o nosso (ou que deveria ser o nosso) horizonte estratégico: superar o capitalismo, através de um projeto internacionalista socialista.

E qual seria esse risco maior? Ou melhor, o que faria a esquerda virar o peixe prestes a morder o anzol da direita? A resposta está em Maquivel, no livro “ A arte da Guerra”. Basicamente, seria estar onde a direita quer que estejamos. Mais que isso, seria fazer o que a direita quer que façamos. Essa ideia será detalhada mais adiante, por hora, vale apenas citá-la.

A direita representada pela burguesia internacional, os agentes do capital financeiro, o próprio capital financeiro, os agentes imperialistas, a burguesia nacional (subordinada e de mentalidade colonial), o alto escalão das forças militares, as forças policiais, a cúpula do judiciário e a mídia golpista, querem o controle total do Estado, não há mais espaço para conciliação com qualquer projeto que atenda os interesses da classe trabalhadora, mesmo que de maneira moderada.

No atual estágio de expansão do capital, que os capitalistas chamam de globalização, os Estados Nacionais “Democráticos” estão em extinção, dos escombros dos modelos estatais que conhecíamos (na melhor das hipóteses, o Estado de Bem Estar Social), interessa aos nossos inimigos apenas a aparência “democrática”. A dominação colonial de antes tomou contornos sofisticados. Não é mais tão necessária (embora não seja dispensável) a intervenção militar direta. O imperialismo denunciado por Lênin continua a mover-se pelos interesses de antes, mas encontrou outros meios para viabilizá-los. Aparentemente, mais baratos e mais eficazes.

Ou seja, o domínio é, sobretudo, econômico. Ele se dá pela subordinação dos Estados aos interesses dos “mercados”. Isso significa que o capital não quer mais nenhuma barreira que dificulte a exploração aos povos e aos territórios, mesmo que seja uma democracia burguesa “tradicional’. Ele precisa do caminho totalmente livre e de uma cadeia hierárquica entre os países.

Dentro dessa lógica, uns países, mais particularmente os Estados Unidos, precisam continuar controlando os principais meios de produção e o potencial militar do planeta. Por isso, é necessário o domínio do processo de industrialização e tecnológico do mundo. Embora, a produção tenha que ser mais flexível, existe um controle central da produção. Até porque é esse mecanismo que possibilita a concentração do capital real e da parte mais significativa da riqueza socialmente produzida.

Aos outros países da cadeia restam investimentos realizados através do capital especulativo estrangeiro (fictício), com forte indução para a desindustrialização ou uma industrialização limitada (o que permite a manutenção da dependência de um país a outro). Além, claro, de um provocado endividamento dos Estados subordinados, através das chamadas dívidas públicas.

Nesse novo circuito mundial, as “novas colônias” são colocadas (quase sempre a força mesmo que não militar) na posição, principalmente, de fornecedoras de insumos (petróleo, água, potencial elétrico, etc) e de força de trabalho barata (mão-de-obra desesperada). Ou seja, o desemprego faz parte do projeto de dominação e submissão da classe trabalhadora de diferentes territórios. E não é qualquer desemprego, é um desemprego estrutural: o que torna parte expressiva da classe trabalhadora descartável para o sistema. Em resumo, as soberanias nacionais e dos povos que outrora já eram restritas, simplesmente, caminham para deixar de existir.

E por que é preciso trazer todo esse recorte internacional ao momento atual no Brasil? Como isso impacta nas eleições brasileiras? Que relação há com a perseguição e a condenação injusta ao Lula? Para as três perguntas, cabe a mesma resposta: aquelas são as bases que explicam os principais motivos do golpe no Brasil e em vários outros países da América Latina. Ignorar essas bases é ignorar a profundidade do golpe. Os setores comprometidos com o golpismo não darão um passo atrás, se não mudarmos a correlação de forças. Isso é certo. Eles usarão todos os recursos (se preciso for) para “terminar o serviço”.

Não criar ilusões dentro desse novo (nem tão novo assim) rearranjo das forças capitalistas, nos ajuda a enfrentar de forma conseqüente e coerente os nossos inimigos. Dito isso, talvez, a pergunta que fique seja: então, nessa conjuntura implica abandonarmos a disputa institucional e eleitoral? Óbvio que não. Mas, com certeza, implica dizer que a direita não está disposta a ceder nenhuma fração do poder do Estado a nenhum segmento que represente a classe trabalhadora. Se quisermos isso, vamos ter que desestabilizar a direita, principalmente, nas ruas. Teremos que forçar ela a ceder, mesmo que não façamos isso no curto prazo.

Sem dúvidas, as nossas chances de disputa institucionais estão quase (ou tão) restritas quanto em quaisquer outros períodos de Estado de Exceção. Nessa perspectiva, é importante reconhecer que o PT acumulou mais força eleitoral do que força social disposta a lutar por transformações mais profundas no Estado e na sociedade (os motivos são vários, não cabem aqui). Porém, nesse momento, sem dúvidas, precisamos mais do que força eleitoral, precisamos de forças sociais transformadoras. É o que poderá dar sustentação a um Governo e Estado que atenda os interesses da classe trabalhadora.

É preciso reconhecer também que a força eleitoral existente, no Brasil, hoje, extrapola o PT; e, se aglutina em torno da figura política do Lula. Para o “mal” ou para o “bem”, a figura do Lula é quem reúne as principais forças que temos para enfrentar o golpismo aqui. Portanto, o nosso desafio é transformar essas forças (basicamente eleitorais) em forças orgânicas de transformação e resistência. Lembrando que uma força eleitoral é muito volátil, disputável e pragmática.

E é sobre esse desafio e em torno do que fazer diante da forte possibilidade do Lula ser preso, que reside os riscos da esquerda virar o peixe prestes a morder o anzol da direita.

Diante de uma possível prisão do Lula, é bem provável, que setores da esquerda (inclusive, internos ao PT) acostumados a resolver “os problemas” da luta de classes, dentro dos limites eleitorais burgueses, tencionem para que o PT tenha outro candidato, que não o Lula. O que se configura como um plano “B”.

Um dos grandes problemas desse Plano B é que ele se movimenta por um horizonte da luta de classes, onde ainda cabia um Estado ‘Democrático de Direito”, como se os conflitos de classes fossem resolvidos apenas nessa “arena” de luta. O Plano B contribui para que a direita, caso assuma um governo, faça isso com o “respaldo da esquerda” e com ‘ um ar democrático”. Diante de uma possível prisão da Lula e da incapacidade da esquerda de reverter tal situação, a denuncia da fraude das eleições e da condenação injusta do Lula, nos dá condição de acumular forças (além das eleitorais).

E, assim sendo, não dançaríamos conforme a música dos golpistas. Nós estaríamos onde eles esperam que estejamos. Não faremos o que eles querem que façamos. Além de demonstrarmos aos nossos inimigos de que se eles estão dispostos a radicalizar, nós também estamos.

Não podemos mais reduzir o nosso projeto político aos limites eleitorais (embora façam parte), pois, a nossa força política está na organização da classe trabalhadora e na consolidação de um projeto político dentro dela, que começa pela disputa da consciência das massas, que correm o risco de ceder ao projeto da extrema-direita. Seja qual for o cenário que reserva 2018, a principal tarefa histórica da esquerda mundial e brasileira é ampliar o horizonte da luta, pois, os nossos desafios são enormes e precisamos superá-los, pelo bem da humanidade. É socialismo ou barbárie!

Ariely de Castro é Formada em Serviço Social, pela Universidade Católica de Brasília

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