O papel da CUT é organizar e mobilizar a classe trabalhadora para derrotar Bolsonaro e sua agenda

Por Angela Melo, Ismael Cesar e Jandyra Uehara*

 

 

Na noite da última segunda-feira, 17 de dezembro de 2018, o jornal El País publicou entrevista de Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Caso a edição da entrevista feita pelo referido jornal não corresponda precisamente ao que foi dito por Vagner, cabe a ele contestar o jornal. Mas se a edição de fato corresponde ao que foi dito, cabe a nós, como integrantes da direção executiva CUT, contestar Vagner.

A íntegra da entrevista de Vagner pode ser lida em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/17/politica/1545056931_483830.html

O que ele disse sobre o governo Bolsonaro e o tipo de relação que a CUT vai estabelecer ou não com este governo, a nosso ver, não corresponde às resoluções da Central.

Em reunião realizada no dia 9 de novembro, nossa direção executiva aprovou resolução afirmando que as eleições “transcorreram em um estado de exceção, constituído desde o golpe do impeachment de 2016, com a principal liderança popular da nação, o ex-presidente Lula, condenado sem provas e preso político para impedir sua candidatura à Presidência da República”. A resolução afirma também ter havido “sérios indícios de manipulação e fraude, (como o crime de caixa 2, do disparo de notícias falsas via WhapsApp)”.

A íntegra da Resolução da CUT pode ser acessada em: https://www.cut.org.br/noticias/cut-defende-uma-ampla-frente-pelos-direitos-e-pela-democracia-e05f

Contudo, na entrevista, Vagner não faz nenhuma menção à prisão de Lula sem provas ou aos indícios de crime eleitoral e, embora cite a influência das fake news no resultado, dá a entender que as eleições 2018 ocorreram normalmente e, portanto, seu resultado confere legitimidade ao governo Bolsonaro pelo simples motivo de que, diferente de Temer, ele seria um “presidente eleito”.

Na prática, a afirmação de Vagner corrobora com a visão de que vivemos tempos normais e que as eleições 2018 conferiram a Bolsonaro a legitimidade que Temer não tinha para implementar uma agenda ainda mais dura de ataques à classe trabalhadora.

Vagner está coberto de razão ao dizer que os trabalhadores “têm a CUT lado a lado deles para proteger os seus direitos, independentemente se votaram no Bolsonaro ou em qualquer outro candidato”.

Mas isso não quer dizer, que a CUT deve tratar o governo Bolsonaro da mesma maneira que os governos eleitos anteriormente.

Afinal, se a classe trabalhadora, em maior ou menor grau, sempre votou em diversas candidaturas nas eleições presidenciais, não é isso que deve definir o tipo de relação que a CUT manterá com os governos.

O que deve definir é o sentido geral do governo em relação aos interesses da classe trabalhadora.

Bolsonaro foi eleito com um programa antidemocrático, ultraneoliberal e entreguista que confronta diretamente os interesses e os direitos do conjunto da classe trabalhadora independentemente dos que votaram em Haddad, Bolsonaro, branco ou nulo, ou daqueles que se abstiveram.

Um programa que, em nome do mercado, pretende destruir os serviços públicos e as estatais, e já sinaliza que pretende acabar com uma série de direitos dos servidores como é o caso da estabilidade no emprego.

Um programa que, em nome dos empresários, pretende aprofundar a reforma trabalhista, falando inclusive em eliminar o 13º salário.

Sobre o governo Bolsonaro, Vagner afirma: “Todas as vezes que ele fizer qualquer ação que seja contra os trabalhadores, nós denunciaremos e organizaremos os trabalhadores para a resistência. Se, por ventura, eles fizerem alguma ação que seja benéfica para os trabalhadores, nós não denunciaremos”.

Já sobre o PT e os governos Lula e Dilma, Vagner diz: “Quando nós temos concordância com as políticas que o PT propõe, nós andamos juntos. Quando nós temos divergências, criticamos. Fizemos isso no Governo Lula e no governo Dilma”.

Portanto, se o que está publicado é o que foi efetivamente dito, é como se, para Vagner, o tratamento dado pela CUT ao governo Bolsonaro devesse ser semelhante ao que foi dado aos governos Lula e Dilma!

Evidente que a CUT fará oposição a Bolsonaro, diferentemente do apoio crítico conferido a Lula e Dilma.

Evidente, também, que o presidente da CUT vê enormes diferenças entre governos que defenderam e ampliaram os direitos e o bem estar da classe trabalhadora, e um governo que anuncia diversas medidas contra os trabalhadores e favoráveis aos patrões.

Mas então o que explica a semelhança entre o tom adotado para falar do tratamento ao governo Bolsonaro e o tratamento aos governos Lula e Dilma?

De todo modo, o fato é que nesta entrevista Vagner Freitas se antecipa à direção da CUT para definir a tática a ser adotada na oposição a Bolsonaro, afirmando que a Central vai construir um canal de diálogo com o governo e fazer “oposição com proposição”.

Evidente que a CUT deve apresentar e defender perante toda a sociedade brasileira as propostas que tem para o país. Ademais, não é equivocado uma central sindical propor “coisas do interesse dos trabalhadores, para que o governo se posicione e os trabalhadores mesmo percebam o que a gente tem falado: que esse governo não leva em consideração os interesses dos trabalhadores”.

Mas é um grande equívoco conceber a relação com o governo Bolsonaro simplesmente como “ação e reação”, como se devêssemos fazer oposição por partes, analisando cada medida separadamente, não pelo todo, considerando o sentido geral, de conjunto, das medidas adotadas.

É um grande equívoco achar que vivemos em tempos normais, com um governo neoliberal “normal” e que, portanto, as velhas fórmulas das mesas de negociação permanente poderão conter avanços diante da avalanche ultraneoliberal, ou que estes supostos canais de diálogo serão os espaços privilegiados de defesa dos interesses da classe trabalhadora.

Todos nós conhecemos as dificuldades e os entraves existentes nas mesas de negociação com governos, inclusive os democráticos.

Contra todas as evidências do caráter antidemocrático do novo governo, Vagner passa a ideia de que existe viabilidade real de buscar um “diálogo” para apresentar e negociar propostas com quem extinguiu o Ministério do Trabalho, pretende acabar com o Ministério Público do Trabalho e já defendeu “acabar com os sindicatos no Brasil”, que seriam uma “desgraça” no país.

Qualquer negociação exitosa só será possível com um nível de mobilização social muito superior aos que conseguimos no último período, capaz de alterar a correlação de forças. A CUT deve empenhar todos os seus esforços neste sentido.

Até porque não há outra maneira de defender os direitos da classe trabalhadora e as liberdades democráticas senão lutando para não apenas impedir a implementação de cada medida contrária aos trabalhadores, mas sobretudo para derrotar política e ideologicamente o governo Bolsonaro e toda a sua agenda regressiva.

Ao priorizar nesta importante entrevista um chamamento a Bolsonaro para um ilusório diálogo e uma improvável negociação, Vagner deu um passo atrás justamente no momento em que a resistência – tendo à frente a CUT e as demais organizações sindicais, populares e democráticas – deveria dar um passo à frente.

 

* Angela Melo, Ismael Cesar e Jandyra Uehara integram a direção executiva da CUT.

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