Jilmar Tatto & Breno Altman: aqui se faz, aqui se paga

Por Valter Pomar (*)

Nestes tempos de comunicação quase instantânea, o tempo entre postar um texto e receber o troco é muito curto. Especialmente quando o assunto é quente.

Refiro-me, é claro, ao tema [(Tatto x Boulos) x Haddad], desenvolvido aqui:
http://valterpomar.blogspot.com/2020/07/o-pt-vai-dar-boulos.html

A maioria das respostas instantâneas que recebi veio de militantes do PT, alguns filiados há bastante tempo, que disseram que “vão votar em Boulos”.

Respeito a opção de cada um, mas quando um militante se comporta como eleitor, tem alguma coisa de muito errado acontecendo. Voltarei a isso ao final. Mas antes quero tratar de uma das respostas que recebi.

Trata-se da resposta publicada há pouco por Breno Altman, dando prosseguimento público à animada polêmica privada que temos mantido, nós dois, desde que ele apresentou, no 247, sua posição a respeito da opção Haddad-ou-senão-Boulos.

A resposta de Breno está aqui:
https://www.facebook.com/1019106646/posts/10221103614752876/?d=n

Estamos de acordo no que diz respeito a trabalhar para que Haddad seja candidato a prefeito de São Paulo. Mas discordamos do que fazer, caso isto não ocorra.

A tese de Breno é a seguinte: “No caso de recusa definitiva do ex-prefeito [Haddad] em assumir essa missão estratégica, porém, estará colocada uma realidade insofismável: dividida, a esquerda tenderá a um resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente. A meu juízo, portanto, a pedra angular da orientação do PT, principal partido socialista, deve ser a construção dessa unidade, mesmo ao custo de sacrifícios na própria carne”.

Aceita esta premissa, a conclusão é: “o motor de arranque da chapa Boulos-Erundina é bastante mais potente que o da pré-candidatura de Jilmar Tatto. Um acordo imediato ao redor da fórmula do PSOL, tentando atrair também o PCdoB, criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”.

Na minha opinião, este raciocínio é tão harmonioso, que seria ótimo que fosse também verdadeiro.

Começo pelo começo: ou Haddad, ou Boulos. E quem terá a última palavra sobre isso será… Haddad. Não encontro uma maneira publicável de expor minha contrariedade com esta equação, assim que sigamos.

O segundo problema está no que eu considero uma pequena armadilha retórica contida na argumentação de Breno.

Ele diz que “dividida, a esquerda tenderá a um resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente”.

Ou seja, mesmo que o PSOL possa ter o melhor resultado de sua história em São Paulo, se tivermos candidaturas separadas, o resultado somado de toda a esquerda será “catastrófico”.

Neste raciocínio está implícito que o máximo que a chapa do PSOL conseguirá fazer é atrair uma parte (maior ou menor) do eleitorado do PT; mas, sozinha, esta mesma chapa não conseguiria ampliar para além do eleitorado do PT, pelo menos não ao ponto de evitar o tal resultado que ele chama de “catastrófico”.

Ao invés de voltar ao ponto de partida e reconhecer que a solução do problema proposto não tem como ser encontrada através das candidaturas atualmente postas, Breno propõe que, na ausência de Haddad, a solução estaria na unidade.

Nas palavras de Breno: “acordo imediato ao redor da fórmula do PSOL, tentando atrair também o PCdoB, criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”.

Não faço a menor ideia se existe alguma possibilidade do PCdoB paulistano ser atraído para uma fórmula Boulos-Erundina+PT. Temo que a referência seja apenas para dar mais lustro ao embrulho.

Seja como for, peço que atentem para a frase: “criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”.

A pergunta é: se fizermos mesmo tudo isto que foi descrito na frase anterior, a esquerda evitará o tal “resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente”?

Se a resposta for sim, então Haddad não estaria de todo errado em sua atual posição, de não ser candidato, pois – segundo o raciocínio acima exposto— sua candidatura não seria necessária para evitar a catástrofe.

Dizendo de outra forma, Breno num parágrafo propõe que Haddad seja o candidato, mas noutro parágrafo conclui que a candidatura Haddad não seria indispensável para evitar a catástrofe.

Talvez por acreditar nisto, Haddad ache que ele é mais útil em outras tarefas, entre as quais ajudar nas campanhas do PT em todo o país. Grande parte do PT acredita nisto. E só vai mudar de opinião se entender que estamos diante de uma… catástrofe. Que, repito, Breno argumenta poder ser evitada através do apoio do PT à chapa do PSOL.

Infelizmente, quando estudo nossos resultados em 2012, em 2014, em 2016 e em 2018; quando vejo o contexto das eleições 2020; especialmente quando observo a situação no “triângulo das Bermudas”; minha opinião é que estamos mesmo diante do risco de uma imensa catástrofe nas eleições de 2020 como um todo.

E se queremos mesmo evitar este “resultado catastrófico”, será preciso fazer muita coisa, em muitos locais. E, no caso específico de São Paulo, não basta a aliança PSOL-PT, será preciso que Haddad seja candidato.

No fundo, acho que Breno pensa o mesmo. E que sua maior preocupação, na hipótese de Haddad não ser candidato, não é tanto o resultado catastrófico da esquerda como um todo, mas sim o resultado catastrófico que ele imagina será colhido, nas urnas, pela candidatura Tatto.

Mas, talvez por ele não ser alguém movido por mesquinhas razões de autoconstrução partidária, Breno adota uma linha de argumentação que, ao fim e ao cabo, enfraquece a pressão em favor da candidatura Haddad.

Vamos ao terceiro problema. Breno afirma que caberia ao PT, como principal partido socialista, sacrificar a própria carne.

Se o artigo de Breno fosse assinado por Jilmar Tatto ou por algum dos que apoiaram, direta ou indiretamente, a candidatura Tatto na disputa interna do PT, eu entenderia o termo “sacrifício”. Mas o artigo é assinado por Breno e, por mais que releia o artigo, eu simplesmente não encontro qualquer referência de Breno a algo que possa ser chamado de “sacrifício”.

Na verdade, Breno nos apresenta não um sacrifício, mas um negócio vantajoso.

Segundo ele, abrindo mão de Tatto, o PT “daria prova irrefutável que coloca os interesses da classe trabalhadora acima do patriotismo de partido, desidratando o antipetismo disfarçado de crítica a um suposto hegemonismo da legenda. De quebra, poderia eleger uma forte bancada de vereadores”.

Além disso, daríamos “um passo decisivo para a formação da frente popular”, com “importante repercussão nacional. A intervenção de Lula no processo eleitoral paulistano ganharia outra dimensão, transformando a competição local em uma grande batalha contra o bolsonarismo e os demais partidos neoliberais”.

Notem, novamente, que segundo esta linha de argumentação, a candidatura de Haddad não seria necessária. Bastaria Boulos-Erundina com o apoio do PT.

Neste cenário imaginário, o mesmo partido que não foi capaz de fazer o que tinha que fazer para ter Haddad candidato, será capaz de fazer com outro candidato tudo o que ele faria caso Haddad fosse o candidato…

Além de tudo isto que foi dito acima, está implícito na argumentação de Breno que, apoiando Boulos, ainda evitaríamos o vexame de ter a candidatura do PT ser pior votada do que a do PSOL. Ou seja: Breno fala em “sacrifício”, mas só apresenta bons motivos para o PT abrir mão da candidatura Tatto.

Do meu lado, pelo contrário, vejo problemas graves na operação proposta por Breno, na hipótese de Haddad não assumir a candidatura.

Em primeiro lugar, como já disse noutro texto, retirar-Tatto-e-apoiar-Boulos, até onde eu consigo ver, não vai contribuir nada, ou vai contribuir muito pouco, para aqueles que deveriam ser nossos objetivos centrais: disputar para valer a prefeitura de São Paulo e usar a campanha para fortalecer a oposição a Bolsonaro. Até porque, lembro, existe a definir o fator Marta Suplicy, que tem o potencial de atrair votos dos setores populares. Nada disto tem outra solução ótima, que não seja Haddad candidato.

Em segundo lugar, será bem difícil, em qualquer cenário, o PT eleger uma “forte bancada de vereadores”. Sem candidato majoritário então, pior ainda. Se queremos uma forte bancada de vereadores, precisamos ter uma forte candidatura a prefeito do PT, não desistir de nossa candidatura a favor da candidatura de outro partido.

Em terceiro lugar, é preciso incluir na equação os efeitos que teria, sobre as demais campanhas, especialmente na região metropolitana de São Paulo, a ausência do PT na disputa majoritária na principal cidade do país.

Em quarto lugar, trocar-Tatto-por-Boulos envia duas mensagens muito negativas.

Primeiro, de que candidaturas petistas com baixo desempenho nas pesquisas em julho de 2020 podem ser “sacrificadas”.

Segunda mensagem, muito mais grave, a de que na “batalha crucial do processo eleitoral de 2020”, não fomos capazes de apresentar uma candidatura capaz de defender o Partido.

Aliás, vejam que curioso: Breno diz que “bons resultados na capital paulista historicamente asfaltam o caminho para a corrida presidencial, a exemplo do que significou a vitória de Erundina em 1988 e a de Marta em 2000, alavancando a performance de Lula nos pleitos de 1989 e 2002”.

Aceito este raciocínio, pergunto: o suposto bom desempenho que ele vaticina para uma chapa PSOL apoiada pelo PT vai “asfaltar” para quem, exatamente?

Neste ponto, Breno parece raciocinar como se a desejada frente de esquerda já existisse. Mas não existe. E, como se vê no caso do Rio de Janeiro, o fortalecimento eleitoral do PSOL não necessariamente conduz ao fortalecimento dos que defendem esta frente.

Mas o que realmente me incomoda na argumentação de Breno é sua tese de que precisamos dar uma “prova irrefutável” de que colocamos “os interesses da classe trabalhadora acima do patriotismo de partido”.

Vou deixar de lado a tal “prova irrefutável”, pois em geral quando falamos desta forma, é mais para nos convencer, do que para convencer os outros.

E vamos ao grão: para quem é que o PT precisa provar alguma coisa?

E supondo que precisemos provar algo, pergunto: quem precisa desta prova, será convencido pela retirada de uma candidatura cheia de debilidades??

Breno me critica porque estar preocupado com os “custos que teria o PT se tomasse uma decisão dessa natureza”e diz dou sinais de priorizar a “autoconstrução partidária”.

Eu confesso que não sei se recebo isto como uma crítica ou como um elogio.

Afinal, eu realmente acredito que — na atual situação política do país — defender o PT é muito mais do que uma mera “autoconstrução partidária“.

Também por isso, acho que a candidatura de Haddad em São Paulo é uma necessidade também para defender o PT.

Neste ponto eu volto para o que falei no início deste texto.

A maior parte das pessoas que me escreveu hoje, para tratar do assunto, defende a posição de Breno. Muitas, apesar de serem militantes, anunciam que vão votar em Boulos. A todas eu sugeri, direta ou indiretamente: se vocês vão agir como eleitores, então deixem de ser filiados, saiam do Partido.

Algo curioso nesta história é que Jilmar Tatto é um dos promotores desta lógica de converter nossos militantes em filiados e nossos filiados em eleitores. Foi ele, por exemplo, um dos principais defensores da absurda proposta, afinal aprovada, de liberar os filiados da obrigatoriedade de pagar suas contribuições financeiras, como condição para poder participar das votações.

Hoje, esta lógica do filiado-eleitor se volta não só contra o Partido, mas também contra Tatto. Mas isto não me leva a aplaudir os militantes e filiados que agem como eleitores. Entre outros motivos porque não é através de métodos anti-partidários que vamos conseguir construir saídas para a situação difícil que vive toda a esquerda brasileira.

Escolher militar em um partido tem preço. No limite, pode significar acatar uma posição errada e fazer o balanço depois.

Concluo lembrando, como Breno, que temos até 26 de setembro para decidir a questão. Mas, diferente dele, não vejo outra alternativa, que não a candidatura Haddad, para evitar uma “derrota anunciada, humilhante, de graves consequências para a luta contra o bloco conservador“.

Por isso, minha posição é fazer com que Haddad seja nosso candidato. E, pelos motivos que expus antes, não acompanho a posição de abrir mão do PT ter candidatura em São Paulo.

Claro que é legítimo defender esta posição, enquanto recurso ao Diretório Nacional do PT. E, falando em tese, ela pode vir a ser a posição do Partido. Mas se o Partido for capaz de fazer o mais difícil — retirar uma candidatura em São Paulo –, porque não seria capaz de fazer o mais fácil, ou seja, lançar Haddad no lugar de Tatto?

(*) Valter Pomar é professor da UFABC e membro do Diretório Nacional do PT

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