Golpe de Estado de 2016: quatro anos do afastamento de Dilma Rousseff

Golpe continuado em curso como projeto de destruição das condições de vida do povo, do país, que começou com o afastamento de uma presidenta legítima, passou pela prisão política de Lula e a eleição de Bolsonaro

(*) Por Marlon de Souza

No dia 12 de maio de 2016, portanto hoje completam-se quatro anos, a presidenta Dilma Rousseff eleita democraticamente com mais de 54 milhões de votos foi afastada de seu cargo por um processo ilegítimo por material probatório inexistente no Senado Federal, que resultou no Golpe de Estado – jurídico-midiático-parlamentar – efetivado no impeachment em agosto de 2016 e que deu inicio a um projeto de destruição do Brasil.

O afastamento da presidenta Dilma Rousseff foi a maior e a mais grave agressão a democracia e a normalidade institucional democrática desde a redemocratização, porque retirou, sem ter havido crime de responsabilidade, da Presidência aquela que foi eleita pelo sufrágio universal – o que a rigor é vital para a democracia liberal.

Importante destacar e relembrar que o afastamento da presidenta Dilma Rousseff só foi exitoso porque houve massivo apoio no Congresso Nacional de partidos – que hoje se autodenominam de Centro – que foram partícipes do Golpe tal quais como PSDB, DEM, PSD, MBD e PP e de personalidades políticas que formaram desde 2016 uma coalizão para a deposição da presidenta e que foi forjado em torno do programa econômico neoliberal hoje em curso e deflagrado por Michel Temer e aprofundado por Jair Bolsonaro.

É possível concluir que o país vive desde 2016 um Golpe continuado, porque hoje é patente que o objetivo central da deposição da presidenta Dilma Rousseff era o de implementar a atual agenda econômica ultraliberal do governo Bolsonaro, programa econômico que foi refutado nas urnas por quatro eleições consecutivas; 2001, 2005, 2010 e 2014. Nunca é demais assinalar que este programa econômico só está em vigor no Brasil hoje porque, de acordo com investigações jornalísticas da Folha de São Paulo, do Intercept e da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o atual governo foi eleito em 2018 com expedientes ilegais.

Além disto, alguns dos mais renomados juristas apontam que como parte do Golpe de 2016 está a prisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que ficou privado de liberdade por 580 dias, condenado em um processo sem provas, perseguido por juízes e procuradores com evidentes intenções políticas de intervenção no processo eleitoral em benefício da candidatura oposta a do PT.

Afastamento de Dilma Rousseff trouxe o Brasil a atual crise econômica

Nenhum partido ou político tradicional que apoiou o Golpe contra Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro pode eximir-se ou afirmar que desconhecia que o objetivo de Michel Temer era o de implementar o programa neoliberal e de Bolsonaro aprofundar esta política econômica, porque neste aspecto ambos foram coerentes com suas afirmações públicas e, ainda que Bolsonaro tenha esquivado-se de debates de relevo, como o dos candidatos a presidente em 2018, sempre afirmaram – como também Paulo Guedes – de seus compromissos de destruir o Estado de Bem Estar Social e de instituir o Estado mínimo.

Temer atacou direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988 e até mesmo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) de Getúlio Vargas com sua Reforma Trabalhista – a maior investida da História pós-redemocratização contra os direitos dos trabalhadores -, além de entregar as riquezas naturais e as principais estatais do país, ter renunciado a soberania nacional e a Emenda Constitucional (EC) 95 que congelou o investimento público em 20 anos. Na sequência Jair Bolsonaro assumiu e deu continuidade aos ataques de Temer aos trabalhadores e ao mesmo programa econômico, isto explica o apoio de setores econômicos a sua candidatura e a seu governo. Com Bolsonaro veio a Reforma da Previdência Social e desmonte do INSS, a extinção do Ministério do Trabalho, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), os ataques do próprio governo à Funai, ao Ibama, às universidades públicas e às instituições públicas de pesquisa (INPE, Fiocruz e outras).

Houve ampliação do desemprego, redução do salário e da renda da classe trabalhadora, desmantelamento das redes legais de proteção social — e uma brutal investida do capital predatório (latifúndio, madeireiras) contra as lideranças sociais, especialmente assassinatos em série de indígenas e camponeses das regiões remotas e de fronteira agrícola.

Dados sistematizados pelo PT demonstra que o Brasil do golpista Temer fechou o ano de 2017 com um PIB de apenas 1%, puxado pelas exportações e pelo crescimento do consumo das famílias impulsionado pela liberação do FGTS, mas o volume total de investimentos voltou a registrar queda pelo quarto ano consecutivo (-1,8%), o que derrubou a taxa de investimento como proporção do PIB a 15,6%, a mais baixa da série histórica iniciada em 1996.

A política econômico advinda com o Golpe fracassou

A taxa média anual de desemprego no Brasil subiu de 11,5% para 12,7% entre 2016 e 2017, agora com Bolsonaro o desemprego antes da pandemia já atingia 13,4 milhões de brasileiros. Mantida esta mesma política econômica ultraliberal na pandemia, a projeção da LCA Consultoria para o final de 2020 é de uma taxa de desemprego de 25%, a maior dos últimos 25 anos.

Desde o governo Temer a economia está estagnada e com as reformas o PIB cresceu em média 1,1 %, enquanto que nos Governos Lula/Dilma cresceu em média 4,4%. É possível verificarmos que enquanto nos anos de 2010/2014, por exemplo, a economia brasileira – sem a existência da operação Lava Jato (instrumento utilizado por parte de setores do Judiciário e do Ministério Publico para desestabilizar o governo Dilma Rousseff e criar as condições para o Golpe) cresceu 3,2% como média anual, na segunda metade da década de 2010 com a presença da Operação Lava Jato – o país regrediu, em média, de 1% ao ano. Com isso, o desempenho do PIB foi de apenas 1,1% como média anual no último decênio.

A receita neoliberal do governo Temer e aprofundada com o receituário ultraliberal do governo Bolsonaro de contracionismo fiscal para a saída da crise não deu certo e não dará porque colocou o Brasil em trajetória econômica em queda e agravou a condição brasileira impossibilitando uma resposta.

O fato concreto é que a consequência da Operação Lava Jato dizimou cadeias produtivas industriais, reduziu em mais de 40% setores industriais inteiros e extinguiu dezenas de milhares de postos de trabalho atrofiando o PIB brasileiro em mais de 2%. Após 5 anos da Operação Lava Jato, como já afirmado no início deste artigo, somado agora a política ultraliberal de Paulo Guedes os números demonstram que setores industriais ainda não conseguiram se recuperar.

O relatório “Panorama Econômico Mundial”, apresentado no dia 14 prevê que a economia brasileira encolherá 5,3% em 2020, o Banco Mundial estima uma queda de 5%, e o próprio ministro da Economia Paulo Guedes em uma projeção otimista projeta uma recessão de 4%.

Importante lembrar ainda que foi com o apoio do então deputado federal Jair Bolsonaro que Temer aprovou a Reforma Trabalhista, em 2017, sob a justificativa de que era preciso modernizar as relações de trabalho e com a promessa de gerar 2 milhões de novos empregos. Entretanto, no final de 2018, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram que o golpista não chegou nem perto. Foram criadas pouco mais que 290 mil vagas com carteira assinada.

O aumento da informalidade resultado da Reforma Trabalhista e a precarização do trabalho impactaram negativamente inclusive na arrecadação da Previdência Social. O estudo “Previdência x Providência” dos pesquisadores José Roberto Afonso e Juliana Damasceno de Sousa aponta uma forte evasão dos salários maiores do caldeirão de contribuições para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Para o cientista social Rodrigo Marcelino, a Reforma da Previdência proposta por Bolsonaro possui uma série de impactos negativos, dentre os quais está a ameaça de redução no número de postos de trabalho. A aposentadoria é a principal fonte de renda de muitas famílias brasileiras. Com o desmonte do sistema previdenciário, o poder de compra das famílias despenca, o que faz diminuir a geração de renda, cai o consumo e consequentemente a venda e a oferta de emprego.

A pandemia revela que o Golpe destruiu as respostas do Estado

A política neoliberal direcionada desde do Golpe a destruir a rede de proteção social do Estado de Bem Estar agora com a crise sanitária e econômica se revelam decisivas para garantir renda, consumo e a salvar vidas. Logo nos primeiros dias de governo, Jair Bolsonaro acabou com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), por meio da Medida Provisória 870. O órgão era responsável por elaborar políticas de combate à fome.

A extinção arbitrária torna-se ainda mais equivocada considerando que a fome está de volta no Brasil. Foi o que apontou o relatório “Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018”, divulgado em novembro do ano passado, por instituições ligadas ao sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil havia sido retirado do “Mapa da Fome”, elaborado pelo órgão da Agricultura e Alimentação (FAO) da ONU, em 2014. Antes dos governos petistas, 18,8 milhões de brasileiros sofriam com a fome. Os 13 anos de governos Lula/Dilma não apenas garantiram acesso de milhões de brasileiros à comida, mas também à alimentação saudável. O fato é que, após séculos de descaso, o Brasil havia saído do Mapa, e agora neste contexto emergencial com a crise econômica não há mais esta política pública.

Desmonte do Bolsa família

Bolsonaro se somou à Temer na investida de desmonte do programa de distribuição de renda. Em seu primeiro mês de gestão, o atual presidente cortou 381 mil benefícios e descartou reajustar os valores pagos para famílias de baixa renda. Temer foi autor de corte recorde na história do programa. Entre julho de 2014 e julho de 2017, houve uma redução de 1,5 milhões de bolsas pagas. O resultado foi que, em março de 2017, a ONU registrou que o Brasil caiu 19 posições no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Sucateamento da saúde pública

A EC 95 do Teto de Gastos aprovada por Michel Temer desenhou um cenário de precariedade e subfinanciamento para a saúde pública o Brasil. Ao congelar as despesas por 20 anos, o ex-presidente golpista sentenciou de morte um direito fundamental da população. Bolsonaro seguiu este caminho. Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, se movimentou para aprovar um projeto de desvinculação orçamentária que acaba com os investimentos obrigatórios em saúde e educação. Isso representa o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS), referência mundial saúde pública. O Balanço de 100 dias de Bolsonaro explica que, se não houvesse a vinculação do orçamento, o valor aplicado no SUS entre 2000 e 2017 não chegaria a 40% do que foi investido nesse período. O orçamento do SUS de 2020 é o mesmo de 2014.

Mais Médicos atacado

O programa Mais Médicos, criado em 2013 pela presidenta Dilma Rousseff, garantiu atendimento médico pela primeira vez para ao menos 700 municípios, que até então estavam isolados. Durante cinco anos, 20 mil médicos cubanos atenderam mais de 110 milhões de pacientes. Os números não dissuadiram Bolsonaro de atacar o programa e, consequentemente, garantisse saúde pública para brasileiros que moram nos rincões do país. Os cubanos se retiraram do Mais Médicos após ofensas públicas de Bolsonaro Do total de brasileiros que entraram na sequência, para substituir os cubanos, 15% desistiram em seguida.

Minha casa Minha Vida sem investimentos

Temer iniciou o desmonte: em 2017, somente 9% dos valores previstos para o Minha Casa Minha Vida foram investidos. A redução afetou os mais pobres, beneficiários da faixa 1 do programa. Bolsonaro segue o mesmo receituário. Em seus primeiros meses de governo, colocou o programa e 50 mil empregos em risco, ao atrasar repasses que somam R$ 450 milhões para as construtoras.

De 2009 a 2014, durante as gestões petistas, foram 6,8 milhões de beneficiários e 1,7 milhão de moradias entregues – mais 1,7 milhão que estavam em construção – em mais de 5.288 municípios.

Educação como inimigo nº 1 do Estado

Desde o golpe que destituiu Dilma da Presidência da República, uma série de medidas que contribuem com a precarização do ensino público estão sendo tomadas. A PEC do Teto de Gastos também compromete seriamente a pasta. Além disso, em novembro de 2016, Michel Temer sancionou a Lei 13.365/2016, que revoga a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do petróleo da camada pré-sal. A medida impacta diretamente os recursos da estatal que têm que ser destinados para educação e saúde.

Em plena pandemia o ataque aos trabalhadores continua

Apesar da verificação da Economia demostrar que esta política ultraliberal ter resultado na estagnação econômica o governo Bolsonaro continua na mesma trajetória em direção a recessão econômica como a tentativa de aprovar a MP 905 (uma mini reforma trabalhista que ainda propunha retirar ainda mais direitos trabalhistas) e a recente aprovação do substitutivo ao PLP 39/2020 e o PLP 149/19, que dispõe o congelamento dos salários dos servidores e a proibição da realização de concursos públicos, até 31 de dezembro de 2021, como “contrapartida” para aprovação do auxílio financeiro aos estados e municípios.

Síntese do Golpe de 2016 foi a não aceitação dos resultados eleitorais e nem as regras da democracia liberal – que para nós da esquerda sempre foram especificidades de uma democracia insuficiente – deposição ilegal da presidenta legitimamente eleita, destruição da democracia e total inclinação e afirmação pública permanente em subtrair as liberdades democráticas, em elogio à tortura, em reprimir brutalmente e extinguir com a política da força estatal o povo e opositores e a implantação da atual política econômica de superexploração da classe trabalhadora.

Isto foi a ascensão de um governo de tipo neofascista e ultraliberal de dependência externa, de manutenção e aprofundamento da desigualdade social de estagnação econômica. Hoje salvarmos vidas e recuperarmos a economia do país precisamos desencadearmos um movimento de massa e com os institutos democráticos, constitucionais retirarmos esta política bolsonarista do governo, o conjunto da coalização golpista que o sustenta e com a aprovação da PEC das Diretas, convocarmos eleições diretas após 90 dias do afastamento de Bolsonaro da Presidência. Uma eleição em que Lula tenha seus direitos políticos restituídos e que possa disputar. Somente assim restauraremos a democracia no Brasil e teremos a possibilidade de alterarmos esta política econômica fundamentada na exploração por um outro programa.

(*) Marlon de Souza é bacharel em Comunicação Social, Jornalista e integrante da tendência Articulação de Esquerda

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *