Esports, trabalho e a PLS 383/2017

Por Walter Bolitto Carvalho (*)

Observamos a cada ano o surgimento e a popularização de novas tecnologias e, em alguns casos, o surgimento de uma massa de trabalho precarizado ao redor delas. Com o crescimento da indústria dos jogos digitais, e a introdução das tecnologias no cotidiano das novas gerações, nota-se uma romantização por profissões conectadas a esta indústria, como no caso do desenvolvedor de jogos, promotores de eventos, streamers (incluindo também os youtubers dedicados a jogos) e jogadores profissionais. Isso ocorre pela enganosa percepção da junção do sentimento de diversão no ato de jogar com a formalidade do trabalho, e isso geralmente afeta a forma que o trabalhador encara sua profissão.

Neste cenário, está sendo debatida a PLS 383/2017, que dispõe sobre a regulamentação da prática esportiva eletrônica, diz respeito aos jogadores e times profissionais que participam de torneios de diferentes jogos populares da atualidade, e foi possível observar uma movimentação nas redes sociais contra esse projeto de lei.

Apesar da suposta noção do privilégio de se trabalhar jogando de forma profissional, observa-se uma precarização muito grande na profissão e uma desigual distribuição da renda obtida pelos diferentes jogadores profissionais, já que observa-se mundialmente diferentes relações contratuais, onde em alguns casos o jogador recebe um salário do time que está integrado, e em outros cenários o jogador recebe apenas uma parcela dos valores obtidos em torneios no caso de ser vitorioso.

Sua condição de trabalho também não é privilegiada, já que se observa em diversos casos uma prática originada na Coréia do Sul, onde diferentes equipes forçam seus jogadores profissionais a morar em uma mesma casa e treinar o dia inteiro juntos, com poucas horas de sono e diminuição do convívio social desses empregados fora do ambiente de trabalho, com o objetivo de criar uma sinergia do time e melhorar as habilidades em situações competitivas.

Outros pontos baixos na carreira do jogador profissional é o ciclo de vida dos jogos, que dura em média 5 anos, e não basta ser o melhor do jogo, é também necessário uma grande comunidade ao redor dele para gerar o interesse de patrocínio das grandes marcas de peças de computadores e empresas de consoles; e o tempo de carreira curto destes jogadores, já que a partir dos 30 anos, o jogador não terá mais o reflexo e a velocidade que tinha antes quando começou sua carreira, além das opções de carreiras após essa idade serem mais limitadas que os trabalhadores de esportes tradicionais, e em muitos casos o jogador abandona a escola para se aventurar como jogador profissional.

A comunidade gamer é composta por donos de times de esports, jogadores profissionais e semi-profissionais, streamers e fãs em geral; e na data de 20/11/19 houve uma movimentação de parte desta comunidade reagindo contra a PLS 383/2017 com a hashtag #TodosContraPLS383, sendo possível analisar as contas que deram início a movimentação contra o projeto de lei e as principais pautas envolvidas por meio de análise de redes.

De um total de 7711 tweets, 1415 tweets podem ser considerados como conteúdos originais, sendo retweetados 6296 vezes entre os dias 20/11 e 22/11.

Gráfico com tweets e retweets da campanha

Perfis mais proeminentes no debate

Com base na lista dos perfis mais proeminentes no debate (definidos por menções, respostas e retweets), viabiliza-se a análise das narrativas criadas pelas principais figuras que puxaram a hashtag #TodosContraPLS383. Do ponto de vista de classe, é possível ver que 50% dos perfis mais proeminentes (donos de times e páginas de times de esports) são os maiores beneficiados da não-definição de jogadores profissionais como atletas, por serem os principais exploradores da sua força de trabalho.

O principal tweet publicado pelos principais perfis, apesar de não se tratar de um retweet, segue com o mesmo texto entre os diferentes articuladores da campanha:

“Convocamos a todos que torcem, que trabalham e que acreditam nos #esports que divulguem ao máximo esse aviso! Nosso cenário está sob ataque, sob ameaça de burocratização e de perda de competitividade”

A narrativa afirma que o projeto de lei vai na contramão do que é a competitividade do mercado e gera burocratização do setor. Esse mesmo argumento é observado em outros empregos precários gerados com as recentes tecnologias, como no caso de motoristas de Uber e entregadores de aplicativo. A comunidade que retweetou a campanha se dá a jogadores semi-profissionais e streamers menos populares, aspirantes a entrar no cenário competitivo dos jogadores profissionais, e fãs do esporte.

Algo relevante ao debate do esport a nível mundial é que da mesma forma da indústria de jogos, a tentativa de organização por parte de desenvolvedores de jogos e jogadores profissionais em categorias profissionais leva a exclusão dessas figuras do mercado mainstream, sendo taxados como profissionais problemáticos não adaptados ao mercado moderno de jogos, mesmo com a grande precarização existente na área.

Mapa de grafos e tabela com as principais comunidades

O comportamento do grafo e algoritmos presentes no software de análise de redes Gephi oferecem dados adicionais sobre a campanha realizada: a baixa densidade aponta que os membros da rede não são integrados, evidenciando que a definição da narrativa da campanha se dá principalmente pelos principais articuladores (os perfis mais proeminentes); o valor intermediário de modularidade aponta que não há necessariamente divisões claras entre as comunidades. Uma comunidade que pode ser observada com ajuda do grafo (não sendo evidenciada anteriormente) é o perfil político, essa comunidade é a principal a levar a ultra-política ao debate com esta hashtag, questionando a capacidade da política de intervir na pauta de esports, isso evidencia a necessidade da esquerda de também participar da construção deste debate, lutando contra a precarização dos profissionais desta área supostamente privilegiada.

Esta indústria bilionária continua a crescer em cima de trabalhadores precarizados que não reagem com medo de serem afastados de um trabalho que permitem fazer o que gosta, e as vozes dos grupos exploradores continuam a moldar o pensamento da comunidade, além de boa parte desta ideologia ser transmitida de tempos em tempos nos jogos mais populares da comunidade gamer.

A organização que possibilitará melhores condições de vida a estes trabalhadores só será construída com a a ocupação de grupos do campo popular e democrático nestes espaços, através da produção de jogos políticos, blogs que insiram minorias nos debates da comunidade gamer, e o processo de politização dos trabalhadores que atuam na indústria dos jogos digitais.

(*) Walter Bolitto Carvalho é militante petista, pós-graduando em Educação e Tecnologia pela UFSCar, desenvolve games políticos e investiga a relação de jogos e seu papel na educação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *