Contribuição ao balanço e síntese das eleições 2020 em Santa maria – RS

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Luciano Guerra- candidato do PT nas eleições em Santa Maria/RS

 

­­­­Santa Maria, 18 de novembro de 2020

Laura Helena Paz[1]

1.Evidentemente, as condições de disputa nas quais a Articulação de Esquerda de Santa Maria se insere no processo eleitoral variam em fatores externos e internos. Para avançar na análise sobre a conjuntura, a fidelidade ao materialismo histórico-dialético é fundamental. Passada a eleição, resta-nos agora levantar e sistematizar os elementos que explicam nosso resultado. Desta forma, reestruturando nossa estratégia e projetando as tarefas que podem melhor nos posicionar para a disputa de consciências na cidade durante o próximo período. O objetivo deste texto é contribuir no balanço e na síntese destes elementos.

2.A primeira etapa é apresentar o quadro geral dos resultados eleitorais do primeiro turno – que aqui nos interessam mais do que o segundo. Falemos, então, da eleição majoritária, na qual consolida-se a disputa de 29 de novembro entre Sérgio Cechin (PP), com 35.218 votos (26,49%), e Jorge Pozzobom (PSDB), com 33.080 votos (24,89%). Nosso candidato, Luciano Guerra (PT), está fora do segundo turno por pouco mais de 1.200 votos, isto é, pouco menos de 1% do total de votos válidos.

3.Alguns dados adicionais que merecem análise dizem respeito às abstenções, votos brancos e nulos. Estes últimos mantiveram-se mais ou menos estáveis em relação à 2016:

Tabela 1 – Comparação de votos brancos e nulos no primeiro turno – Eleições 2016 e 2020

Ano: 2016 2020
Votos brancos: 6.444 (4,01%) 6.736 (4,63%)
Votos nulos: 6.796 (4,23%) 5.744 (3,95%)

 

As abstenções, por outro lado, e seguindo tendência nacional[2], representam um crescimento de 20,89% (42.409) para 28,82% (58.876)[3] – o que se deve, em alguma medida, aos riscos da pandemia e ao descrédito quanto às instituições e ao sistema político em geral.

4.Feito este destaque, retornamos à questão majoritária. A primeira pergunta a ser feita – considerando a priori que nosso objetivo era retomar a construção do Executivo Municipal e apresentar um programa de renovação e esperança para a cidade – é, também, uma análise histórica: nossos erros em 2020 assemelham-se aos nossos erros em 2016?

5.Para embasar esta avaliação, retomo alguns pontos centrais da resolução política da AE-SM de 2016 a respeito deste tema, como “ter transformado as qualidades pessoais de nosso candidato como o centro da linha política da campanha”, despetização e despolitização, “não comparar projetos políticos radicalmente distintos”, além de ter sido “um erro estratégico deixar de considerar […] a importância de um programa de políticas públicas para mulheres” e, em especial, não polarizarmos com nosso adversário, Jorge Pozzobom. Outro elemento central é também a conjuntura de “forte reação da burguesia brasileira e internacional às iniciativas de melhorar as condições de vida do povo que caracterizaram nossos governos”, que inclui a queda tendencial da taxa de lucro do capital em especial a partir da crise de 2008, a campanha de ódio promovida pela grande imprensa, e o golpe. A isto se soma a não menos importante condição do nosso Partido, que “desaprendeu a fazer a análise de relações de força, que deixou de apostar na mobilização social e fazer a disputa cultural e ideológica, e que acreditou e operou religiosamente uma política de aliança de classes mesmo quando ela havia sido rompida unilateralmente pelo grande capital”[4].

6.Ponto a ponto, as semelhanças mais acentuadas informam a ainda presente tendência ao personalismo, despetização e despolitização (que se evidencia no apagamento de símbolos e cores), o medo e a recusa à polarização programática, a desvalorização das pautas identitárias[5] e a recusa ao nítido posicionamento antifascista. Evidentemente, a conjuntura na qual se encontram os fenômenos do antipetismo e do bolsonarismo é extremamente relevante e, por este motivo, merece análise à parte. O que se deve preocupar, em primeira mão, é não adjetivar estes elementos como condicionantes exclusivos do nosso resultado.

7.Os números do primeiro turno expressam e aprofundam outro paralelo importante quanto à 2016: uma derrota que é, não somente eleitoral, mas especialmente política. O que nos leva à outra pergunta: esta é uma derrota política de qual estratégia?

8.Aquilo que vínhamos chamando de tendência suicida no miolo das disputas intrapartidárias, a cada dia mais se converte em ação política concreta – um suicídio real e sangrento no palco das praças públicas. Em termos eleitorais, Santa Maria se soma às mais de mil cidades nas quais o PT está coligado a partidos bolsonaristas. Em termos políticos, a infidelidade partidária, o desvio programático de 180º há mais de uma década denunciado, e o isolamento combatido a ferro e fogo que, na maior parte dos municípios, coloca o PT na estante junto a todos os tipos de cacarecos oriundos da política tradicional brasileira. De onde vêm estes sintomas há muito mais, soma-se a estrutura verticalizada e burocratizada do Partido, a baixa capilaridade dos seus escassos setores socialistas e uma crise político-organizativa que contamina todos os seus poros.

9.A coordenação de campanha da chapa PT-PSD – na qual nos inserimos tardiamente – reuniu-se pouquíssimas vezes, e converteu-se, logo após o primeiro debate, em mais um grupo de divulgação de agendas. Para nós, é perfeitamente cristalina a prática gabinetista de transformar grupos formalmente dirigentes e operativos em acessórios decorativos da estrutura partidária. Foi assim, também, no Grupo de Trabalho Eleitoral, especialmente no que se refere ao subgrupo que tratava da política de alianças e candidatura majoritária, na qual nossa vaga jamais foi efetivamente respeitada.

10.Por outro lado, é preciso que haja justiça quanto à construção do Programa de Governo da Coligação Você na Prefeitura. Em que pese a função utilitarista e operativa reservada às Setoriais na construção dos GTs do Plano de Governo, os textos e propostas que subsidiaram a disputa eleitoral representam um avanço importante no debate sobre as políticas públicas municipais. Além disso, diferente do debate sobre a cabeça da chapa e a política de alianças, mobilizaram importantes setores do Partido na construção política da candidatura e do arcabouço programático que sustentaria nosso mandato. Como a prática é o critério da verdade, só poderíamos avaliar o impacto concreto destas formulações se postas sobre as mãos do principal cargo Executivo do município.

11.Para destacar, por fim, um elemento externo, cabe apontar outro erro que guarda relação com 2016: a decisão do PSOL pelo voto nulo. Pela primeira vez em longos anos, a esquerda PSOL-PCB-PSTU não disputou a eleição majoritária, o que refletiu em diferentes posicionamentos por parte de cada um destes partidos – exceto no que se refere ao último, profundamente rachado, que nem ao menos se posicionou sobre o pleito publicamente. No caso do PCB, o partido se recusou a apoiar a única candidatura de esquerda da cidade alegando falta de diálogo e inserção do PT na FUTT, além da justa oposição à presença de um partido da base aliada de Bolsonaro na chapa, preferindo assim adotar a posição de realizar contra-campanha das candidaturas da direita. O PSOL, por seu turno, resgatou sua posição irresponsável de orientar à sua base o voto nulo para o Executivo Municipal. Há que se diga, entretanto, que desta vez o PSOL teve o mérito de conquistar uma forte base eleitoral, emplacando a candidatura proporcional mais votada da cidade, de Alice Carvalho. Este fato os coloca ainda mais na condição de linha auxiliar da direita, haja vista a capacidade de diálogo apresentada pelo partido, mas sua nítida recusa a combater o que até então se apresentava apenas como potencial segundo turno entre setores da direita.

12.Retomando mais um trecho da análise da AE sobre 2016, não podemos esperar que o esquerdismo levante de seu sono profundo, tampouco podemos depender de certo nível de civilidade e republicanismo por parte da direita. Aqui reside a síntese do pleito majoritário: o pragmatismo dos setores pelegos do PT-SM resultou em um grotesco erro de cálculo, dos 200 votos a mais que precisávamos em 2016, alavancamos o déficit em 1.000 votos. Construir uma chapa com os dois nomes mais votados da eleição proporcional de 2016 se provou insuficiente e politicamente equivocado. Saímos menores do que entramos e, embora os erros dos setores inconsequentes da esquerda da cidade provoquem resultados práticos, não é a estes que devemos a derrota eleitoral e política deste ano – tampouco somente à direita.

13.O segundo turno, entretanto, justifica o voto nulo – a única alternativa coerente para a militância petista e de esquerda da cidade. Neste caso, sim, uma disputa entre projetos idênticos, de partidos da base do Governo Bolsonaro, genuinamente comprometidos com o neoliberalismo, e que em nada poderão avançar nas condições de vida da classe trabalhadora santamariense. Por este motivo – e diferentemente de nosso candidato à Vice-Prefeito, Marion Mortari (PSD), que declarou apoio à candidatura do PP –, deveremos repetir o voto 13 em 29 de novembro.

14.Quanto à eleição proporcional, mais uma vez comecemos com a apresentação dos resultados eleitorais obtidos pelo PT-SM em comparação à 2016:

Tabela 2 – Comparação do desempenho eleitoral do PT SM – Eleições 2016 e 2020

Ano: 2016 2020
Quociente eleitoral: 6.750 votos 6.267 votos
Votação total da legenda: 24.817 16.737
Candidaturas eleitas: 4[6] 3[7]
Total de candidaturas da legenda: 26 29
Votação do melhor colocado da legenda: 4.215[8] 1.814

 

Não é preciso muita ginástica mental para perceber que perdemos significativa base eleitoral nestes quatro anos. Especificamente, com mais candidaturas, reduzimos a votação da legenda em 8.080 votos. A primeira consequência lógica deste resultado é a redução da nossa bancada na Câmara de Vereadores em uma vaga. O segundo resultado (que é, também, uma causa) é a redução da capacidade do Partido em estabelecer diálogo com amplos setores da classe trabalhadora do município – e, mais ainda, de organizá-la.

15.Outro elemento que vale nossa atenção é o comparativo entre os perfis de nossa nova bancada em relação aos mandatos de 2016-2020. Especialmente no que se refere aos juristas estreantes, certamente mais fiéis à estratégia democrático-popular que o companheiro Vereador Daniel Diniz. Ao desrespeitar a deliberação partidária apoiando a reeleição de Jorge Pozzobom, além de acusar lideranças partidárias de “traição” devido à “falta de apoio” para a conquista de seu terceiro mandato, Diniz expressa a consequência direta das práticas fisiológicas impulsionadas no interior do Partido. A frouxidão de nossas estruturas partidárias, o desrespeito ao Estatuto, as relações de poder estimuladas internamente que reduzem a capacidade de intervenção da militância organizada nos movimentos sociais em prol de parlamentares e dirigentes vinculados à institucionalidade, além da absolutamente insuficiente formação política, não poderiam resultar em outra coisa senão oportunismo.

16.Com crescimento de 2,6% de seu eleitorado nas disputas majoritárias deste ano, o PT mantém certa estabilidade – elegendo 175 prefeituras em primeiro turno, levando 17 candidaturas ao segundo turno, sendo 2 candidaturas à vice e 15 à Prefeita (o), além da eleição de 2.609 vereanças em território nacional. Conforme já expus no decorrer desta análise, esta tendência não se expressa em Santa Maria. Aqui, além da nossa reduzida bancada, a esquerda e centro-esquerda[9] elege mais 4 vereanças, contra 14 vereadoras e vereadores da direita[10]. Por outro lado, contra tendência nacional – na qual a esquerda e a centro-esquerda somam 23% dos votos válidos –, em Santa Maria representamos 1/3 do parlamento.

17.Evidentemente, as eleições majoritária e proporcional estão estreitamente associadas e, portanto, também seus resultados. Ainda assim, vale destacar o fato de que esta eleição é a primeira a não contar com coligações nas chapas proporcionais.

18.O que se deve ater é que, para avaliar de maneira coerente nossos resultados, é preciso que se faça as perguntas corretas. Além disso, é preciso que se tenha um olhar crítico aos processos históricos da vida partidária e, portanto, da crise e dos vícios – também históricos – que combatemos internamente. Um destes problemas está no desacúmulo histórico da JPT e do próprio Partido. Há mais de uma década e, especialmente, a partir do golpe, verificamos sintomas como a ausência de congressos amplos, a recusa dos setores majoritários a realizar um profundo balanço dos nossos governos e de nossas alianças, além da cada vez mais urgente reconfiguração da estratégia partidária. Sequer a transição geracional – ou, ainda menos, a renovação dos nossos quadros – é realizada adequadamente. A Juventude do PT é expressão vulgar destes vícios.

19.Também a AE deve estar permanentemente atenta para que cumpra seu papel histórico na superação desta crise, correndo o risco de ser absorvida pelas contradições no decorrer do processo. O que quero dizer é que uma organização estagnada passa a regredir. Se pretendemos alcançar a posição de vanguarda revolucionária do PT, é necessário que tenhamos uma profunda rigidez disciplinar quanto à autocrítica e ao correto reposicionamento de nossas forças segundo o movimento da realidade – tanto trabalhando para alterá-la quanto respondendo à altura de suas transformações. Para que isto seja possível, nossas direções possuem um papel central, já que sua inoperância condena a organização à estagnação.

20.Nesse sentido, são fundamentais a reorganização de nossos lócus de atuação, a consolidação de núcleos do PT e da JPT na cidade, e o reposicionamento da nossa militância segundo os principais espaços de disputa. Para avançar, será necessário fortalecer profundamente nossa organicidade, coesão política e estrutura organizativa. Resgatando nossos cinco princípios organizativos[11], atentando rigorosamente às fases do processo organizativo[12] e pedagógico[13], à mística e ao companheirismo e, principalmente, à formação política individual e coletiva.

21.Sabemos e honramos nosso compromisso de classe. Como o camarada Clóves de Castro, somos comunistas, revolucionários e combatentes incansáveis que não curvam as costas ou pendem o braço diante da arbitrariedade. Temos fôlego, coragem e método para encarar a contradição e desviar do fatalismo. Por isso, não fraquejamos mesmo derrotados e esperançamos mesmo imersos em guerra.


[1] Laura Helena Paz é Secretária Municipal da Juventude do PT – Santa Maria e membra da Direção Municipal e da Coordenação Municipal de Juventude da AE.

[2] O Brasil registra este ano o mais alto percentual de abstenções, votos brancos e nulos de sua história eleitoral: 30,6% do eleitorado apto.

[3] Comparação de dados do primeiro turno.

[4] Em que pese a expressão destes erros em 2020, no qual o Partido operou alianças na disputa majoritária com partidos da direita (MDB, PSD, PP, PL, Republicanos, PTB, DEM, PSC, PSL, PSDB, Avante, Solidariedade, etc) em 1.244 municípios. A título de comparação, cabe destacar que apoiamos apenas 61 candidaturas à Prefeitura do PCdoB e PSOL, além de 364 do PDT, PSB, PROS, PV e REDE.

[5] É de destaque o crescimento destes setores nas eleições 2020: são 18,5% mais mulheres, 22,1% mais candidatos pretos – sendo 46,9% mais mulheres pretas. Segundo dados preliminares disponibilizados em rede social pelo cientista político Gabriel Zanlorenssi. Disponível em <https://twitter.com/gzanlorenssi/status/1328344419284770822>. Acesso em 16 de novembro de 2020. Além disso, a Mídia Ninja disponibiliza em seu Instagram um apanhado de candidaturas representativas eleitas em 2020: <https://www.instagram.com/midianinja/>. Acesso em 16 de novembro de 2020.

[6] Respectivamente: Luciano Zanini Guerra, Valdir Oliveira, Prof. Celita, Daniel Diniz.

[7] Respectivamente: Valdir Oliveira, Ricardo Blattes, Marina Callegaro.

[8] Candidatura mais votada do município.

[9] PCdoB (1), PSB (2), PDT (1).

[10] Republicanos (2), MDB (3), PP (4), PSDB (3), PSL (1), DEM (1).

[11] Consenso, centralismo democrático, consciência disciplinar, confiança política, crítica e autocrítica.

[12] Análise, decisão, planejamento, execução e avaliação.

[13] No Método Josué de Castro: anomia (negação), síncrese (aceitação), análise (reflexão), síntese (resolução).

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