Considerações sobre a Jornada Nova Primavera

Por Leandro Eliel P. Moraes (*)

No último dia 26 de janeiro fui convidado a participar do debate preparatório para a Etapa Nacional da Conferência Nacional “Paulo Freire” de Formação e Educação Popular do PT. A questão mobilizadora do debate foi “Que pedagogias inspiram e orientam a formação política do PT?”, que me permitiu apresentar algumas considerações, que seguem abaixo.

A formação política no PT seguiu a trajetória de mudanças e transformações do próprio Partido. Quais são essas transformações em minha opinião: a) um Partido que reduziu sua presença organizada junto à classe trabalhadora para um partido cada vez mais institucionalizado, eleitoral; b) um Partido que manteve a defesa do socialismo, mas cada vez mais como um horizonte político distante e parecido com uma perspectiva socialdemocrata; c) um Partido que alterou sua composição social, com predominância de setores médios em seus variados níveis de direção, abandoando sua perspectiva de luta sistêmica contra a burguesia. É nesse processo de transformação partidária que devemos avaliar a questão da nossa formação política.

Outro aspecto importante é que ao longo dos anos de existência do PT, a maioria dos filiados não obteve formação nas estruturas internas do partido, formando-se em outros espaços, demonstrando as dificuldades de um partido como o PT, nas dimensões de um país continental, de constituir um programa próprio de formação. Em poucos momentos vimos um efetivo esforço material e organizativo na formação. O Instituto Nacional Cajamar – INCA foi um exemplo desse investimento.

Além disso, houve também uma série de alterações no conteúdo da formação, que seguiu o próprio processo de institucionalização do PT, ou seja, de uma formação política, teórica e cultural mais ampla, adotamos uma política de formação mais instrumental, voltada para a capacitação em políticas públicas, na condução de mandatos, sindicatos, negociações etc. Esses aspectos da formação são importantes, mas não bastam.

Se construímos um partido institucionalizado e uma política de formação apenas instrumental, não precisamos de uma militância organizada e teoricamente preparada para enfrentar as estruturas econômicas, políticas e sociais capitalistas. Bastam a mobilização eleitoral e uma formação instrumental. Como a atual crise que vivemos atingiu em cheio o PT, e, felizmente a nossa militância petista é rebelde, nesses últimos anos, pelo menos desde o golpe de 2016, houve uma ampliação da cobrança por espaços formativos, organizativos e de debates. O desconforto com o distanciamento das direções em relação a sua base militante, a falta de democracia interna, tudo isso apareceu nas mais diversas formas de manifestação, inclusive nos debates da jornada Nova Primavera.

A Jornada Nova Primavera deve ser apoiada e valorizada. Devemos ter um sistema nacional de formação adequado, mas, me parece que uma parcela do PT apoiou essa jornada acreditando que resolveremos os nossos problemas políticos e organizativos apenas com formação, educação, pedagogia e método adequado. É preciso alterar a estratégia, a linha política hegemônica no Partido. Sem isso, essa iniciativa da jornada poderá produzir uma frustração em nossa militância envolvida nesse processo.

Nesse sentido, me parece que há um equívoco na insistência de que um método adequado revolverá os problemas políticos e organizativos do PT. Além disso, a Jornada Nova Primavera, com a justa homenagem a Paulo Freire, corre o perigo de transformar nosso grande educador num dogma, exatamente o que ele sempre combateu.

Sabemos que o Paulo Freire, como ele mesmo afirmou em diversas oportunidades, passou por diversos momentos em sua formação como intelectual, alterando suas concepções e perspectivas teóricas e políticas: desde de sua fase nacional desenvolvimentista, de disputas com os socialistas e comunistas; até sua aproximação com o marxismo. Por isso é que há Paulo Freire para todos os gostos: Paulo Freire mais moderado; Paulo Freire mais radical; até Paulo Freire pós-moderno quando o ligam com a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, por exemplo. A depender da fotografia tirada de Paulo Freire, teremos distintas perspectivas políticas, pedagógicas e metodológicas.

Nesse processo de transformação do PT, houve, na minha opinião, uma apropriação de um Paulo Freire que transformou os aspectos metodológicos no centro do programa formativo em detrimento do conteúdo. Dito de outra forma: ao abandonar uma perspectiva de formação política mais crítica, o método, a escuta, o acolhimento, as dinâmicas se tornaram o objetivo central da atividade formativa cujo conteúdo era apenas instrumental. Algumas atividades viravam quase que uma autoajuda de esquerda, destituída de conteúdo. Isso tudo em nome de Paulo Freire. Qualquer crítica a essa metodologia e a defesa de conteúdos, principalmente aqueles que apontavam para uma compreensão crítica dos mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista e de sua necessária transformação, eram (e continuam sendo) muitas vezes tratados como autoritários, como uma educação bancária.

Essa leitura de Paulo Freire foi adequada para aqueles setores que estavam dispostos a domesticar o PT, a transformá-lo num partido moderado, com uma estratégia de conciliação de classes e não um instrumento de contestação da ordem. Por isso, o combate aos conteúdos mais críticos por meio da crítica à “educação bancária”, ao suposto autoritarismo.

O educador Demerval Saviani, a partir de suas críticas à Escola Nova, cuja premissa dizia que o importante era aprender a aprender, supervalorizando o método em detrimento do conteúdo, apontou que essa perspectiva pedagógica produziu um rebaixamento no nível de formação dos setores populares, impedindo-os de acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade, pois o ensino foi confundido com uma eterna e suposta pesquisa por parte dos educandos.

Acho importante que esses elementos de conteúdo e de método sejam profundamente debatidos. Os conteúdos podem e devem ser transmitidos, questionados, debatidos sem que seja necessariamente de forma autoritária. Nesse sentido, em respeito ao próprio educador Paulo Freire, acho que devemos valorizar a diversidade metodológica existente nos processos de formação política, sem transformar uma certa leitura dele em dogma, em programa oficial do Partido.

Creio que o maior desafio dessa jornada é construir um programa que, sem desconsiderar os aspectos metodológicos, recupere a formação política, teórica e cultural mais ampla, condizente com um partido socialista e, ao mesmo tempo, colabore para abrir um debate político no PT sobre a necessária alteração de sua estratégia, de suas formas organizativas, recuperando formas democráticas de participação da sua base militante.

(*) Leandro Eliel P. Moraes é militante do PT Campinas-SP.

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