Análise da pesquisa Datafolha para prefeitura de São Paulo

Página 13 divulga análise preliminar da professora Maria Carlotto acerca da pesquisa eleitoral do Datafolha para prefeitura de São Paulo.

Pesquisa Datafolha divulgada ontem (08/10)

Comentários sobre o Datafolha para as eleições de São Paulo

Por Maria Carlotto (*)

1/Primeiro, como a pesquisa integral ainda não está disponível, estou analisando só os dados que foram divulgados até agora pela Folha/Globo.

2/Segundo, a pesquisa foi feita antes do início da propaganda de rádio e TV, que começa hoje, portanto, é um quadro ainda muito limitado. Na última eleição, a TV contou relativamente pouco. Mas nessa, tudo indica, vai ser um pouco diferente, dado o contexto da pandemia.

3/ Celso Russomano, que está tentando colar a sua imagem a de Bolsonaro, viu sua rejeição crescer entre os eleitores de maior renda e escolaridade que, não por acaso, é o segmento em que a rejeição de Bolsonaro também é maior na cidade de São Paulo. Isso prejudicou Russomano, mas é cedo para dizer que Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda Russomano. Isso porque, os eleitores de mais baixa renda e escolaridade, que são o setor em que Russomano já é mais forte, e Bolsonaro, no momento, também, podem compensar essa perda inicial. Isso se Russomano não repetir a sua trajetória nas últimas duas eleições municipais, quando derreteu ao longo do primeiro turno. A tática a la Bolsonaro de se ausentar dos debates, associada às milícias digitais bolsonaristas que podem nacionalizar a disputa em São Paulo, talvez o ajudem. Mas é cedo para saber. Em qualquer circunstância, o desempenho de Russomano, por ora, me parece o teste mais significativo do bolsonarismo nesta eleição.

4/Covas tem o desempenho típico de um tucano em São Paulo. Beneficia-se dos eleitores de mais alta renda e escolaridade do centro expandindo, mas tem dificuldade de obter os votos das massas da periferia. Em outras palavras, herda os eleitores arrependidos de Bolsonaro entre a elite paulistana, mas pode ter dificuldade de crescer entre os mais pobres, sobretudo se a polarização Doria x Bolsonaro ganhar força e ele for identificado com o governador paulista, fortemente rejeitado por esse setor. É por isso que Covas não quer nacionalizar a campanha em São Paulo e por isso que os Bolsonaristas estão em guerra contra o governador na Alesp. A maior probabilidade é que a Marta Suplicy desempenhe um papel importante na campanha de Covas daqui para frente. E que Doria fique em segundo plano. É irônico, mas muito significativo, que o principal cabo eleitoral do PSDB em São Paulo seja uma ex-petista.

5/ Boulos é o grande “vencedor” dessa primeira pesquisa, foi o que mais cresceu e, entre os primeiros colocados, o que tem menor rejeição e maior taxa de desconhecimento. Isso contribui para consolidar sua candidatura e atesta o seu potencial de crescimento. Mas o eleitorado de Boulos é, hoje, mais parecido com o de Covas, com quem ele tem chances de disputar o segundo turno. Esse pode ser um limite importante da sua candidatura. Em outras palavras, Boulous tem a preferência do eleitorado de mais alta renda e escolaridade, que ao contrário do eleitorado de Covas, provavelmente nunca embarcou na aventura Bolsonaro. É o eleitorado anti-bolsonarista raiz. Mas ele é muito limitado. Por isso, o desafio de Boulos, agora, é popularizar sua campanha. Daí o papel central que Erundina pode cumprir. Bem como a aproximação de Boulos em relação a Lula e ao PT, condenada por partes do PSOL, pode ser decisiva. Mas quero frisar que, neste momento, podem ter votos do PT indo para Boulous, mas não é o desempenho de Boulos que explica o baixo desempenho do PT, nem acho que seja a causa principal.

6/O baixo desempenho do PT na capital se explica, a meu ver, pelo crescimento do Bolsonarismo sobre o seu eleitorado fiel: os eleitores de mais baixa renda e escolaridade que, neste momento, não estão com Boulos, mas com Russomano. Esse não é um fenômeno novo. Na verdade, pelo menos desde 2014, o eleitor da periferia de SP tem se afastado do PT na capital. Nesse sentido, o baixo desempenho do PT (em SP e em outras capitais) se explica por um fenômeno sobre o qual tenho insistido desde minhas interpretações sobre junho de 2013: a incapacidade do partido de construir um discurso e uma pauta consistentes para as massas trabalhadoras dos grandes centros urbanos. Esse processo se intensificou ainda mais com a incapacidade do partido de se colocar, mais recentemente, como o polo de oposição à esquerda de Bolsonaro, polarizando com ele em torno da pauta econômica e social, antes que cultural. É um problema político com P maiúsculo. Por isso, acho equivocada a leitura de que o erro do partido foi sua política de (não) alianças. Isso não resolveria o problema do PT e, talvez, paradoxalmente, tirasse votos de Boulos que, neste momento, se beneficia de votos anti-petistas entre os eleitores de classe média e classe média alta de São Paulo.

7/Se os coordenadores da campanha de Tatto fizeram essa mesma leitura do Datafolha, devem subir o tom contra Russomano, porque é na candidatura dele que estão os votos que podem mudar a situação de Jilmar Tatto. A dificuldade, neste momento, é que o tempo é curto, Tatto é muito desconhecido, e a militância petista está combalida, em parte pela pandemia, em parte pela fragilidade do próprio processo de escolha de Tatto como candidato. É por isso que Lula pode ser decisivo em São Paulo. Decisivo para fazer de Tatto um candidato conhecido, levar para ele alguns dos votos de Russomano e para unir e empolgar a militância petista.

Por fim, algumas observações rápidas sobre todo o resto:

Se for para escolher um grande perdedor dessa pesquisa, seria Joyce Hasselman e a extrema-direira como um todo. Muito interessante perceber como esse eleitorado tem dificuldade de se institucionalizar seja como partido seja como movimento. É muito dependente de figuras populistas como Bolsonaro. Isso mostra a força que Bolsonaro deve seguir tendo no cenário político, mas mostra também uma fragilidade da extrema-direita no país de se consolidar como força autônoma. Essa percepção é consistente com o que tem sido observado em outros países e aponta uma direção para os que acham importante derrotar essas forças: atacar as figuras que cumprem um papel organizador desse eleitorado, até porque o apoio popular a esses movimentos tem algo de efêmero. Ou seja, talvez a virada conservadora vista em 2018, não seja tão sólida assim.

Quando sair a pesquisa completa, é preciso olhar com calma o perfil social dos votos de Márcio França. Se os votos dele migrarem, podem cumprir um papel importante para os primeiros colocados. A tendência é que isso aconteça a meu ver. Não acho que ele termina com 8% dos votos.

Também vale olhar os demais candidatos, mas acho que eles podem cumprir um papel menos decisivo que França.

Ao que tudo indica, as mudanças eleitorais feitas no contexto da virada do sistema político de 2016 (que uns chamam de impeachment e outros, de golpe) estão cumprindo o seu papel: desorganizaram ainda mais o sistema político, enfraquecendo os partidos maiores e, com isso, fortalecendo o centrão. Os grandes prejudicados são os partidos de esquerda e centro-esquerda e, em alguma medida, o PSDB.

Nesse contexto, paradoxalmente, o papel da grande política aumenta. Por isso, é pobre a leitura de que o problema dos partidos em geral seja de tática eleitoral e da esquerda em particular seja sua divisão em diferentes candidaturas. Mesmo somados, os votos de Boulos, Tatto e Orlando Silva ficam muito abaixo do piso da esquerda em São Paulo. O problema não é a divisão das esquerda. O problema é sua incapacidade de construir um polo consistente ao bolsonarismo e se colocar como alternativa real e radical de transformação do país numa direção que supere a profunda crise atual.

(*) Maria Carlotto é professora da UFABC

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