A renúncia de Evo: E agora?

Por Daniela Rívera (*) e Roberto Nery (**)

Em meio a grandes protestos e crises, desde o dia 20 de outubro a Bolívia vive um clima de instabilidade e grande polarização política, após o resultado das eleições em primeiro turno que deram a vitória nas urnas ao já então presidente Evo Morales, do MAS (Movimiento al Socialismo). Evo, que durante o primeiro turno, já vinha sendo alvo de ataques da oposição de direita, que se recusaram a reconhecer os votos que garantiu a reeleição de Evo mesmo desde antes da realização do pleito. 

Após as eleições, a oposição conduzida até então por Carlos Mesa, do CC (Comunidade Ciudadana), leva a OEA uma denúncia de supostas fraudes em atas eleitores, onde não são confirmadas tais provas, mas diz haver indícios de fraudes. Desde então, as hostilidades por parte da oposição ao governo se intensifica, dando início no departamento de Santa Cruz de la Sierra, uma greve intermitente, denominada “Paro”. As vias públicas passaram a ser bloqueadas e uma grande quantidade de civis são levados aos bloqueios, onde não passam carros e a cidade se volta interditada. Outros atos foram estimulados, como no caso ocorrido na cidade de Vino, onde a prefeitura foi incendiada e a prefeita humilhada em praça pública pelos manifestantes.

Desde a semana anterior, Morales se reuniu com líderes de outros partidos, considerando que o diálogo seria a melhor saída pros conflitos que vem assolando o país. Aceitaram a proposta de diálogo e negociação, 4 forças políticas, sendo; Comunidad Ciudadana, Partido Demócrata Social, MAS y Bolivia Dice No. Mesmo diante de iniciativas de pacificar o país através do diálogo, o chefe de estado Andino não obtém sucesso.

Ao largo dessas semanas de “Paro” novos atores sociais surgem, como o líder cívico do Movimiento Pró Santa Cruz , Luíz Fernando Camacho, empresário, advogado e ativista religioso, que também é dono de um grupo empresarial Nacional Vida S.A, que supostamente estariam envolvidas nos casos de corrupção do Panamá Papers. O advogado cruceño, que uma semana antes das eleições do 1º turno teria se encontrado com o chanceler Brasileiro Ernesto Araújo, passa a organizar o que seriam as reivindicações das ruas, promovendo e influenciando uma série de protestos, saques, incêndios e enfrentamento com a polícia.

O pedido, inicialmente, era pela realização de um 2° turno de eleições entre Evo Morales e Carlos Mesa. Porém, a medida que os bloqueios se estendiam a outros departamentos do país (os estados, como conhecemos aqui), como Cochabamba e Oruro – com bloqueios de vias e aeroportos, entre outros – há uma alteração nas reivindicações da oposição, onde a agora se exige a renúncia de Evo Morales, toda sua equipe de ministros e até mesmo do TSE boliviano.  

No dia 08, quinta, Camacho se dirige a sede do governo, localizada no departamento de La Paz, onde tem a intenção de entregar uma carta de renúncia, a qual o presidente deveria simplesmente assinar e entregar seu cargo. Porém têm suas expectativas frustradas onde não consegue decolar do aeroporto em El Alto pelos bloqueios, e regressa a Santa Cruz. no dia seguinte, policiais bolivianos tomam as juntas no departamento de Cochabamba e declaram oposição a Evo Morales, e toda a situação se agrava, com a casa da irmã de Evo e de dois de seus governadores são incendiadas nas regiões de Chuquisaca e Oruru.  Evo denuncia os atos de violência, classificando-os como “um plano de golpe fascista”.  

No dia 10 de novembro então, mediante a todos os conflitos, Evo anuncia que irá convocar novas eleições e que “mediante o voto, permitam ao povo boliviano eleger democraticamente suas novas autoridades”; entretanto após uma “sugestão de renúncia para pacificar o país” vinda do Chefe das Forças Armadas, Williams Kaliman, Evo anuncia sua renúncia do cargo, após diversas tentativas de diálogo e pacificação do país.  Ainda no mesmo dia, Evo denúncia através de suas redes sociais que um oficial da polícia boliviana tinha instruções para executar uma ordem de apreensão ilegal contra si, qual logo em seguida é voltada atrás pela junta policial.

Em meio a diversas crises internas na polícia Boliviana, o comandante Yuri Calderón anuncia sua renúncia do cargo, de acordo com a unidade de comunicação da Policia Boliviana, e agora se aguarda a designação de um novo chefe interino, em meio ao caos de violência já instaurado em diversos departamentos. No dia 11, conforme anunciado pela mídia, Morales aceita asilo de Lopes Obrador, e a qualquer momento estará em solo mexicano.

O país vive clima de violência por parte da oposição, esta que criou uma desestabilidade causada, para que tivessem seus interesses atendidos. A renúncia de Evo deve ser considerada um Golpe de Estado, promovido pela oligarquia boliviana que não aceitou perder uma vez mais para o Movimiento pelo Socialismo, que desde 2005 vem priorizando políticas de justiça social, distribuição de renda e autonomia dos povos bolivianos, com estatização de empresas e um grande índice de crescimento comparado aos demais vizinhos latinos, bem como autonomia frente ao FMI. Essa mesma oligarquia boliviana que é apoiada pelo governo norte americano, que durante toda década orquestrou ataques que visam a derrubada de líderes políticos progressistas na América Latina, buscando a retomada da subordinação aos seus interesses imperialistas. 

Mediante a isso, reafirma-se a importância de seguir em defesa da autonomia dos povos latino americanos, contra o imperialismo e repudiando qualquer tomada de poder por vias externas à autodeterminação dos povos. É fundamental que o Partido dos Trabalhadores busque por fortalecer uma política de alianças regionais à esquerda e construa um projeto soberano para nossa América Latina. 

Não podemos mais, nem no Brasil, nem nos demais países latinos e no mundo, acreditarmos na aguardada democracia liberal prometida pelos oligarcas, imperialistas e pelas cartas constitucionais. Os ataques da classe dominante nos mostra que sua estratégia fora alterada para não mais permitir avanços para a classe trabalhadora. Agora, cabe a nós encerrar com a política de conciliação com aqueles que querem nos destruir, buscando alternativas de tomada de governos e poder a partir de alianças com a classe trabalhadora. E agora mais que nunca as esquerdas latino-americanas , devem abandonar o republicanismo e liderar a radicalização de nossas lutas no continente! 

Como disse Allende, em seu discurso derradeiro: “Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor”.

(*) Daniela Rívera é graduanda de Medicina na Universidade Cristã da Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra, militante do PT e da JAE

(**) Roberto Nery é graduando de Ciências do Estado na UFMG, militante do PT e da JAE

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