A oposição precisa resistir à coação do medo e da insegurança

Por Raquel Mirian*

“De tempos em tempos os trabalhadores saem vitoriosos. Mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a união crescente”. E falta justamente o entendimento político disso.

As manifestações de massas em todo o mundo são comumente caracterizadas como reinvindicações. Mas hoje, é preciso considera-las como pedidos de socorro e não como “eu avisei”. Somente ter consciência de classe, auto- esclarecimento e empoderamento não são suficientes para refrear as evidências que temos sobre o futuro politico do Brasil e para mudar o que muitas pessoas acreditaram quando elegeram o Bolsonaro.

A teologia do cativeiro e da libertação nos mostra o quanto a nossa iniquidade esmaga a veracidade das necessidades de reconstruir. Não se começa do zero, não se trata somente de prática. A tão almejada busca dos desconstruidores que negam muitas conquistas petistas, mas reconhecem as perdas sofridas que estamos acumulando. Questionar-se como chegamos a essa masmorra tem mais soluções do que questionarmos a que ponto iremos chegar.

Autocrítica é necessária e muito difícil para alguns, mas reconhecer é bem mais difícil de se afirmar quando não somos os responsáveis por tecer a atual conjuntura. Mas somos capazes de muda-la.

As elites brasileiras possuem uma característica peculiar de posse. Quer posse de tudo: mercadoria, gente, natureza, mercado, e faz toda essa vontade de obter e ter com os corpos alheios, a partir de um projeto político.

A engenharia apresentada por Wilson Wiltzel revela mais claramente as pretensões do atual presidente do Brasil do que seu próprio “desistir de desistir”. Os indicadores do comportamento autoritário de Bolsonaro e sua pseudo-narrativa de presidente, evidentemente despreparada, demonstra sem dúvida que a nossa democracia brasileira caiu em uma armadilha.

Em 2016, o ex presidente do STF, Carlos Ayres Britto, definiu o golpe no governo Dilma, durante o período em que estava sendo articulado, como um momento de “pausa democrática para organizar a sociedade”. Por analogia é como, por exemplo, pausar o filme “Ultimato dos Vingadores” por estar extenso demais, deixando os fãs à escolha da direção do restante do roteiro

Comparações à parte, aberrações políticas como pausar a democracia são tão inacreditáveis que nem deu tempo para refletir como retomá-la depois de todo o desmonte social. Dessa forma, ainda estamos vivenciando a pausa democrática que o ex presidente do STF um dia afirmou, ou de fato, o play nessa pausa nunca será reativado?

O atual presidente do Brasil posa de uma espécie de político “antiestablishment”, sendo enquadrado no rol de atores políticos que caracterizam seus opositores como antidemocráticos, corruptos, antipatrióticos e legitimam o confronto direto com os seus inimigos. Assim como fez o Bolsonaro com a marmota do antipetismo, e continua fazendo contra a esquerda: intimidando e criminalizando a oposição para fazê-la se esvaziar sozinha por medo ou insegurança. Com isso visa reforçar seu governo, sem ser preciso quebrar as regras do jogo político.

O presidente sinaliza que é capaz de violar a constituição sem o menor ressentimento, fechar as instituições democráticas, e impedir as massas de se manifestarem. Além de rejeitar as regras democráticas de um Estado de Direito, atua para deslegitimar seus adversários, endossar o nepotismo (a exemplo de Trump) e usar decretos como instrumento para retalhar os direitos sociais dos brasileiros, ao invés de complementar as leis que assegurem as necessidades das políticas públicas.

A nossa democracia está tão enfraquecida, que não temos a quem recorrer a não ser nos organizarmos em partidos, coletivos de base e movimentos estudantis para nos proteger e lutar organicamente contra o maniqueísmo e principalmente, contra o capitalismo.

Hoje, as análises enviesadas são produzidas de toda forma. Como a publicada pelo Intercept, sustentando que o PT se recusa a dar as mãos a Frentes amplas no país para derrotar o bolsonarismo. A tentativa de descredibilizar o maior partido do Brasil é tão grotesca e advém de todos os lados, que os corações só se acalmam quando Lula endossa o que a militância petista vem dizendo: que não construímos com quem amputa os direitos sociais.

Quanto a entender e produzir essa reflexão sobre os erros e acertos do PT, isso vem da parte do partido e das pessoas que o compõem. Pra quem desconhece, é para possibilitar esse tipo de processo reflexivo sobre nossas atitudes e práticas que dentro do partido existem grandes tendências, com linhas de pensamento diferentes e que compactuam ou não das mesmas estratégias e objetivos sobre Poder, Governo e militância.

Tentar criticar o partido com aquilo que não cabe a ele é tarefa que vem se intensificando desde o golpe de 2016. Críticas do tipo: “petistas começaram a dizer que o colapso da democracia brasileira se iniciou com a prisão do Lula, ou com o golpe” é tão simplista e sem fundamento que deixa evidente a falta de seres pensantes que formulem produções embasadas para dar conta da compreensão de um fenômeno político da dimensão do PT. Para isso, muitas vezes seria necessário assumir o desafio político de integrar a construção do partido e não somente assumir a posição confortável de um mero analista de conjuntura.

A maioria da classe trabalhadora não tem a mesma opção que muitas pessoas esclarecidas felizmente possuem, de saírem do Brasil para outros países e de recomeçarem do zero. Porque diferente do que é afirmado pelo presidente da República: no Brasil as pessoas passam fome sim. Buscam dia-a-dia abastecer a mesa de comida. E só sabe mesmo é quem sofre e come do mesmo sal, da mesma dificuldade rotineiramente, por ainda ter que pegar carrego para sobreviver.

Nessa perspectiva, o proletariado não pode se organizar como classe que somente participa do processo social, mas deve se estruturar como classe que direciona o processo social com a capacidade de modificar as regras do jogo político, a partir da ação, mobilização, embasamento teórico e prática.

*Raquel Mirian é estudante de Ciências Sociais na Univasf e militante da AE em Petrolina-PE

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