A oligoversidade do sr. ministro

Por Antonio Carlos R. de Moraes (*)

O ministro da educação recentemente saiu de seu prolongado silêncio para defender sua posição de que a universidade deveria ser para poucos. E que a maioria dos estudantes deveria estar numa escola técnica, a exemplo da Alemanha. Exemplificou com engenheiros que hoje estão pilotando hoje carros de Uber que se tivessem feito um curso técnico de informática estariam bem empregados.

Além do engano bizarro de confundir o sucateamento de nosso parque industrial, evidenciado pelas notícias diárias de fechamento de grandes fábricas e demissões em massa com excesso de graduandos nas universidades e da imprópria comparação com a educação técnica e universitária alemã, há alguns aspectos dessa lógica, herdada de seu antecessor Weintraub, que creio valem a pena analisar.

Como já foi muitas vezes referido, o governo bolsonarista caracteriza-se pela união entre um fascismo político e o neoliberalismo econômico, amalgamado pelo fundamentalismo religioso. De tal casamento nascem os rebentos da redução do pensamento crítico, dos investimentos sociais e da imposição das convicções sobre o exercício da racionalidade. Assim, para se usar a velha metáfora das cabeças e dos chapéus (do tempo em que ainda se usava chapéu), se há dez cabeças e cinco chapéus, ao invés de fabricar mais cinco chapéus, o neoliberal defende que se corte cinco cabeças. É o que o ministro propõe ao se referir aos engenheiros que hoje pilotam Uber.

No campo da educação superior, o resultado é a universidade dando lugar a uma espécie de “oligoversidade”. Da universidade para todos à “universidade” para poucos. E aqui o fascismo político se alia ao que temos de pior no mundo religioso.

Segundo reza nossa Constituição, em seu artigo 205, ” a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Para o ministro, a educação com este alcance não é direito de todos. Para a maioria da população, representada pela classe trabalhadora, a educação serve apenas para a qualificação para o trabalho.

Desenvolvimento pleno da pessoa e preparo para o exercício da cidadania é luxo reservado a poucos, a elite dirigente (Weintraub chegou a dizer que quem quisesse se dar a esse luxo, deveria pagar de seu bolso e não esperar o financiamento do Estado).

Ao trabalhador, além do minguado salário e direitos cada vez menores, a ração educacional mínima do treinamento para o exercício de uma profissão. Perfeitamente adequado a uma sociedade medieval em que uns nasceram para mandar, outros para trabalhar e outros para rezar e recolher o dízimo.

É escandalosa a comparação com a educação na Alemanha. É certo que a educação profissional lá é muito forte, mas, não pode nem de longe ser confundida com adestramento. Junto com os estágios remunerados (e bem remunerados) nas indústrias, há um tempo considerável destinado à formação teórica com professores formados na universidade.

Tanto o pensamento científico quanto as chamadas humanidades são muito valorizadas no ensino teórico. Além das escolas profissionais, as universidades públicas atendem gratuitamente cerca de noventa e cinco por cento dos estudantes que optam por frequentá-las. Não é à toa que, além de um parque industrial vigoroso, ostentam mais de centena de prêmios nobéis, além de que é praticamente impossível as universidades do mundo ainda hoje conseguirem desenvolver bons cursos de filosofia, sociologia, geografia sem referência a pensadores alemães.

Assim como na Grécia antiga, a democracia nasceu junto com a saída da cultura dos palácios para a praça pública, não podemos pensar em democracia hoje sem universidade para todos. Os fascistas sabem disso e, por isso mesmo não querem, pois a sociedade com que sonham não reserva lugar para a universalização do pensamento crítico, pois nela uns mandam e outros obedecem. O ministro da educação, protestante que é, tem de negar sua própria tradição religiosa para poder aderir ao fascismo: Lutero traduziu a Bíblia e incentivou a sua leitura pelos fieis, pois acreditava na capacidade individual do entendimento da palavra de Deus, sem dependência cega aos ensinamentos dos sacerdotes medievais que detinham o conhecimento.

Quem defende a democracia também tem de ter muita clareza do que quer em relação à universidade. Universidade pública, além de ser necessariamente para todos, tem de ser também por todos. Não é só a que todos possam pagar, pois o acesso é apenas o primeiro passo, mas a que todos possam compartilhar a sua construção, ou seja, ela é o reflexo da sociedade que queremos construir, na qual os valores cultivados mais altos não têm preço.

(*) Antonio Carlos R. de Moraes – Toninho é professor aposentado da rede municipal de Campinas


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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