A “justiça” tarda. E falha!

Por Valter Pomar (*)

Chegará o dia em que descobriremos cada detalhe dos reais motivos que levaram a ministra Cármen Lúcia a virar seu voto e decidir pela suspeição do juiz Sérgio Moro. Mas não é preciso esperar tanto para compreender uma das razões que a levaram a divergir de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski no tocante a cobrar de Moro as “custas processuais”. Afinal, neste pequeno detalhe esconde-se uma questão de fundo: quem vai pagar as “custas” das decisões adotadas pelo sistema judiciário brasileiro desde 2016 até hoje?

Não é preciso retroagir até o “mensalão”, a chamada AP 470. Para efeito de análise, basta a Operação Lava Jato: quem vai pagar os danos causados à soberania nacional, ao desenvolvimento, ao bem estar social, às liberdades democráticas? Quem vai restituir as vidas perdidas, os empregos cancelados, a fome, o sofrimento infligido a parte importante do povo brasileiro?

Cobrar as “custas processuais” de Moro é o de menos; a questão é de quem o povo brasileiro vai cobrar o que fizeram e seguem fazendo com o nosso país desde 2016. Para isto, não basta entregar às feras os anéis de Moro e Dallagnol. Estes dois e sua quadrilha não teriam ido longe, se não tivessem contado com o respaldo de grande parte do sistema judiciário, do oligopólio da mídia, do parlamento e (não esqueçamos) da cúpula das forças armadas. Aliás, não esqueçamos também, o suposto herói de ontem é o mesmo juiz que suspendeu a posse de Lula em 18 de março de 2016, contribuindo assim para o sucesso do golpe contra Dilma.

A suspeição de Moro no caso do triplex, a devolução dos direitos políticos de Lula, a anulação dos demais processos (sítio, por exemplo), a condenação e prisão dos verdadeiros criminosos, nada disso vai recompor o estrago feito. Para começo de conversa, não fará ressuscitar as centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que morreram devido as escolhas do governo Bolsonaro e seus aliados no trato da pandemia. Aliás, Bolsonaro não teria sido eleito se Lula tivesse sido candidato, e Lula teria sido candidato se o Habeas Corpus 164493 tivesse sido aceito quando foi impetrado.

Por isso, é meia verdade dizer que “justiça foi feita” neste 23 de março. Na verdade, um crime foi tardiamente confessado por alguns de seus autores. E restará às dezenas de milhões de vítimas deste crime lutar muito para tentar reparar, mesmo que parcialmente, os danos causados.

Lula de novo presidente será um passo fundamental neste sentido. Mas há outros passos que devem ser dados, entre os quais vou citar apenas um: cortar em pedacinhos, depois salgar, queimar, jogar ácido e enterrar bem fundo a fé que parte da esquerda segue mantendo no sistema judiciário e nas chamadas “instituições” de nosso antipático Estado. Esta fé contribuiu e muito para nos paralisar, desde 2005 até 2021.

Não foram as leis, não foram as instituições, não foi a “justiça” que tornaram possível a decisão de 23 de março. Foi a luta política, seja a mantida por nós da esquerda democrática, popular e socialista, seja a verdadeira guerra civil que está em curso entre as diferentes facções do golpismo. E também será a luta política que vai decidir se vamos ou não conseguir cobrar todas as “custas processuais” de quem é devido, a saber: da classe dominante, da turma da grana, da toga, da farda e da pena de aluguel.

Que este 24 de março seja de muita luta e manifestação. Pois só a luta nos salvará da catástrofe!

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

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