A decisão silenciosa da formação da mesa da Câmara de São Paulo

Por Luís Sérgio Canário (*)

Como previsto e esperado Milton Leite foi eleito em 01/01/2021 o presidente da Câmara de Vereadores da Cidade de São Paulo. A Folha de São Paulo deu a notícia assim:

“Com apoio de Covas e do PT, Milton Leite (DEM) é eleito presidente da Câmara de SP”

Algumas pérolas do texto:

“Leite obteve 49 votos, contra 6 de Erika Hilton, do PSOL. O acordo de Leite, em troca de cargos na Mesa Diretora, incluiu até o PT, que faz oposição a Covas.”

“Em protesto, vereadores do PSOL se retiraram da votação da Mesa Diretora após a eleição de Leite.”

“Em troca, o PT obteve o apoio para que a petista Juliana Cardoso fosse eleita primeira secretária da Mesa Diretora”

“Fernando Holiday (Patriota) foi o escolhido para o cargo de segundo secretário.”

E a pérola das pérolas: “Vereadores do PT elogiaram Hilton, mas na hora de votar escolheram Leite. O vereador Eduardo Suplicy (PT) e outros ressaltaram que se trata de cumprimento à orientação do partido.”

Nenhuma surpresa. Tudo acertado e arranjado bem antes da sessão de votação começar. E o PT, como esperado e sem que nada tenha sido tratado com o partido, nas palavras de Juliana Cardoso em um post:

O PT manteve a primeira secretaria, primando força no embate ideológico dentro da Câmara e nosso mandato foi eleito para assumir essa secretária legislativa neste ano.

Por onde passou o embate ideológico em que o PT negocia nas surdinas das alcovas parlamentares participar de uma mesa com a nata do golpismo, da forma pecuniária e suja de fazer campanha e com o esgoto personificado em Holiday, não dá para enxergar. Tudo isso sem trocar uma palavra com a base do partido ou com os movimentos sociais que os vereadores deveriam representar.

E isso não foi um privilégio de São Paulo. Foi a regra geral pelo Brasil a fora. E o espetáculo de submissão do partido às bancadas segue com as formações das mesas nas Assembleias Legislativas e na Câmara Federal. É a naturalização de uma prática que deveria ser banida. Mas que enquanto as bancadas estiverem acima do partido vai se eternizando com pouca resistência e vários aplausos.

As bancadas de parlamentares do Partido dos Trabalhadores, um partido que se quer conectado ao movimento social vivo e liderar a luta da classe trabalhadora e do povo contra todas as formas de opressão, não podem agir como se o parlamento fosse um mundo à parte, que somente eles entendem a lógica de funcionamento. E por isso as decisões do que fazer lá são deles. Não são. Diferentemente de outros partidos que pouco agregam aos seus filiados, candidatos e parlamentares, o PT é um partido com vida própria. Muitos se elegeram por estarem no PT. Muitos inclusive não têm coragem de romper com o PT e procurar siglas que estejam mais próximas de suas concepções políticas por medo de não conseguirem se eleger ou reeleger. Não só por um dispositivo legal, mas pelo peso que nosso partido tem, todos esses mandatos são do PT e o partido deveria estar mais presente na atividade parlamentar.

Muitos parlamentares montam uma estrutura de seu mandato e passam a agir como se fossem uma força política com vida própria e existência independente do partido. Alguns são verdadeiras forças políticas com vários parlamentares em diferentes níveis articulados. Formalmente são até vinculados a alguma das tendências internas, mas na prática atuam por conta própria. Muitos se afastam do dia a dia do partido e nunca participam de nenhuma atividade dos diretórios zonais e municipais, as instâncias de base do partido.

A atividade parlamentar é importante e o partido deve participar dela com a força e o peso da sua expressão social. Não podemos negligenciar o parlamento nem nenhuma outra das instituições do Estado. Somos a força e a voz da classe trabalhadora nessas instituições. É nosso papel, ao mesmo tempo que denunciamos o papel de ferramenta da opressão nas mãos das classes dominantes, fazermos que essas instituições funcionem colocando o povo no centro do seu funcionamento. Mas somente com a força do movimento popular atuando de fora para dentro das instituições desse Estado podemos fazer isso. E certamente esses movimentos de participar do jogo de poder. jogado com as regras de nossos inimigos de classe, dentro do parlamento não nos aproxima da nossa base social.

Há muitos anos atrás essa visão de fazer do parlamento a praça mais importante da disputa das forças da sociedade recebeu o bem aplicado nome de cretinismo parlamentar. Isso não é xingar os parlamentares de cretinos. É somente dar um nome a uma certa concepção de por onde passa a luta de classes.

(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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